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REVIEW: God of War (PS4)

God Of War
Data de lançamento: 20 de Abril de 2018
Desenvolvedora: Santa Monica Studio
Publisher: Sony Interactive Entertainment
Plataformas: PlayStation 4
Preço: U$59,99

O God of War original saiu em um momento em que o PlayStation 2 entrava no seu auge no Brasil. Foi a época que o preço do console começou a cair consideravelmente e a sempre presente pirataria fazia que o console fosse bastante atraente pro publico Brasileiro. Qual a melhor forma de estrear o console novo do que com um jogo que tinha batalhas e cenas em escalas gigantes, completamente sem precedentes comparativos no mercado. Certeza de que se alguém tivesse o console na época, God of War ou estava na bandeja ou nas discussões de porque você ainda não tinha o jogo em mãos. Então era comum também se juntar nas casas de amigos pra joga-lo juntos, revezando o controle e se fascinando com as batalhas épicas de Kratos, (e foi assim que eu tive a grande maioria das minhas experiencias com GoW e sua sequência de 2007).

Essa longa introdução atestando a grande popularidade da franquia serve de contexto pra noção de que eu, mesmo com toda a euforia presente em torno da violência cinematográfica de God of War, ao contrário da grande maioria do consenso da época, nunca tive muito interesse nos jogos da saga. Acho que nunca terminei sozinho os dois primeiros, o III só fui finalizar recentemente e sequer encostei no Ascension. A trágica premissa da história de Kratos no primeiro é até bem interessante (mas que só vai encontrar algum momento de destaque novamente bem no final do terceiro) e o infame apelido de ”quadrado, quadrado, triangulo” pro combate sempre foi uma descrição verosimílima da minha experiencia (e eu sei que existem maneiras de tornar o combate mais profundo mas eu pessoalmente nunca tive a destreza inerente e principalmente o interesse em buscar isso). Dessa forma, até as sequências de batalhas em escalas absurdas perdiam a minha atenção simplesmente porque eu não tinha ligação emocional nenhuma com aquele mundo. Por isso a minha reviravolta pessoal com God of War no PS4 seria ainda mais impressionante, hoje 22 meses após aquela revelação na E3 de 2016, esse recomeço da franquia também significa o inicio de uma nova era no meu apreço por Kratos e God of War.

Após anos vagando a terra depois dos eventos que concluem o terceiro jogo, o Deus da Guerra se encontra no reino Nórdico, numa fase da história onde os deuses e as criaturas misticas dessa mitologia ainda andam por Midgard. Já pegamos a história num ponto onde Kratos tem uma nova família estabelecida, e que (mais um) evento trágico faz com que um equilíbrio aparente na sua vida seja quebrado, o obrigando a fazer uma jornada acompanhado de seu filho Atreus. Pai e filho cumprirão o ultimo desejo de Faye, esposa de Kratos e mãe de Atreus, que é ter suas cinzas espalhadas no pico mais alto das terras Nórdicas.

Um rápido prólogo serve tanto de tutorial pro jogador, como de treinamento para Atreus, uma vez que Kratos quer ter certeza de que seu filho estará pronto para realizar a difícil jornada que os antecede. Somos introduzidos então a nova arma principal do jogo, o Leviathan, um machado com propriedades rúnicas e que funciona de forma similar a outra arma Nórdica, o martelo Mjolnir, e pode ser arremessado e conjurado de volta a comando de quem o empunha. É difícil traduzir pra palavras o quão satisfatório é manipular o Leviathan, tanto usando-o regularmente mas mais ainda quando se usa como um bumerangue acertando o maior numero de inimigos possíveis e o chamando de volta para as mãos de Kratos ou usando-o para congelar os adversários. Do peso da arma, aos padrões de ataque até ao design de som que tem o Leviathan, tudo nessa arma te passa uma sensção de empoderamento, e os designers sabem disso. A grande maioria dos puzzles é rudimentar, sem muito esforço mental para encontrar uma solução, mas o simples fato de que usam essas habilidade do machado os tornam divertidos. Acho também que a novo mapeamento padrão de ataque para os gatilhos no controle (tipo o padrão usado por jogos da série Souls) contribui bastante pra manipulação da arma ser tao fluida e intuitiva (apesar de que o jogo possibilita jogar com controles mais tradicionais a franquia, botando os botões de face como os comandos de ataque). Kratos pode também abdicar de armas entrando na briga apenas com os punhos, uma linha de combate que causa menos dano físico mas inflige uma quantidade maior de dano paralisante, possibilitando finalizações especiais nos inimigos. Além disso o quadrado, um botão antes fortemente associado a Kratos, agora é dedicado a Atreus. O pai pode comandar o filho a onde atirar suas flechas, fazendo do garoto parte integral tanto do combate quanto também de soluções para diversos puzzles. A ultima mudança relacionada ao combate (na verdade uma mudança que é central pra toda filosofia dessa criação) é a posição da câmera. De uma perspectiva fixa e distante que mostrava todo o campo de batalha para o jogador, agora God of War tem uma visão em terceira pessoal mais tradicional, e que acompanha os protagonistas bem de perto, limitando a visão imediata.

Apesar de todas essas mudanças, acho que o combate ainda compartilha de um DNA básico com os jogos antigos. Ele é ainda bastante visceral, o crowd control ainda é central ao arranjo dos embates (só que agora é bem mais desesperador por conta da perspectiva) e encaixar combos e combinar movimentos rápidos com outros mais lentos porém mais poderosos também é chave pro sucesso. A básica lista de progressão de jogos passados se transformou em uma variada arvore de habilidades e customizações para os equipamentos e armas de Kratos e Atreus, onde praticamente tudo que se faz no jogo (inclusive os colecionáveis) recompensam o jogador com pontos de experiencia para serem utilizados em upgrades ou novas habilidades, o que credita ao jogo uma constante mas extremamente satisfatória curva de aprendizado. O combate é bom desde o começo, mas ao passo que se adquiri mais movimentos e que se pega mais o ritmo pra se lidar com múltiplos inimigos, as combinações de ataques mais básicos, com ataques rúnicos, combos e a ajuda de Atreus se tornam naturais, viciantes e visualmente incríveis. Além disso os inimgos variam bastante nas suas caracteristicas e padrões de ataque, assim obrigando o jogador a explorar as variáveis do combate. Ainda existem mobs que são bem frágeis e contra eles o padrão lembra o tradicional hack’ n slash, mas tbm existem adversários imunes a alguns ataques de Kratos que exigem uma mudança completa de postura, inimigos grandes que as vezes parecem até chefões especiais nos primeiros encontros (mas não são) e tem alguns que parecem ter vido direto de um jogo da From Software, onde o combate toma um ritmo bem mais cadenciado e estratégico. Se a ideia da Santa Monica era pegar as suas antigas bases e criar algo mais tático, profundo e engajante pros novos títulos, ela acertou em cheio. É de longe um dos combates mais divertidos num jogo de ação em terceira pessoa.

A jornada familiar acontece de modo contínuo, não existem pausas ou cortes para mostrar os personagens viajando, descansando ou coisa do tipo. Tudo acontece no decorrer de um dia, o que fez com que houvesse um tratamento bastante particular de cinematografia. O jogo percorre com apenas um take, não existem cortes ou fade-ins e fade-outs, a câmera acompanha os protagonistas o tempo todo, muitas vezes bem de perto aumentando a essência épica dos set-pieces e dando maior destaque para a relação entre Kratos e Atreus. Pai e filho não tem um relacionamento tão próximo e Kratos é ainda mais inapto nessa relação por conta de suas próprias experiencias passadas, tanto como pai quanto como filho. O Deus da Guerra é agora um personagem bem mais interessante, sem perder aquela identidade violenta e ainda centrado no objetivo mas agora ele se encontra num processo de libertação e independência de ideias, não tendo ninguém arquitetando um plano as suas custas ele se mostra mais sábio ao estabelecer seus ideais. Ele é um mentor para o filho, mas numa relação recíproca onde ele também aprende muito com o garoto. Essas interações são um ponto alto da aventura, é curioso ver como que mesmo num espectro fantasioso um roteiro bem escrito com diálogos bastante terrenos consegue criar uma relação de familiaridade com o jogador. São conflitos que nos atingem diariamente e uma peça de entretenimento como essa que por grande parte se recusa a andar por linhas reais ainda consegue influenciar as nossas visões da nossa própria realidade. Em horas suas convicções vão fazer com que você fique do lado de Kratos, outras muitas vezes de Atreus, e tenho certeza que assim como eu muitos vão criar paralelos pessoais com essa relação

A qualidade das linhas de diálogo e das interações se estende para os personagens de suporte também. Os anões Brok e Sindr são dois irmãos que além de serem os meios para que os personagens desbloqueiem upgrades para armas e armaduras, também servem como boa parte do alivio cômico do jogo (apesar de que a natureza durona de Kratos também rende vários momentos engraçados), a bruxa da floresta Freya muitas vezes rivaliza as ideias de Kratos com seu discurso cheio de conhecimento (e sarcasmo) e a cabeça falante Mimir atua como um excepcional guia, sempre espirituoso nas piadinhas e entretendo o jogador com seu vasto conhecimento da história dessa mitologia. Essas interações com NPC’s também revelam os traços dos personagens principais. Kratos os vê como no máximo uma possibilidade de auxilio na jornada, muitas vezes como um atraso, já Atreus é amigável e se mostra empolgado em finalmente ter convivência com novas pessoas.

Atreus é inclusive um personagem fascinante. Como companion em termos de mecânicas, ele é extremamente útil. Sua presença no combate é vital, tanto ofensivamente quanto defensivamente, atacando ou imobilizando inimigos e avisando Kratos dos perigos ao seu redor. Mas talvez seja mais presente o seu papel na construção e apresentação do mundo ao jogador. Ele é bem mais versado nessa mitologia que Kratos, e ele explica pro pai (e pro jogador) muitas das particularidades desse universo, dando contexto pras várias das situações ocorridas durante a aventura. Mas nem ele sabe de tudo e sua constante curiosidade também influencia o jogador a explorar todos os vários caminhos e áreas desse mundo. Diferente de uma boa parte de exemplos nos games, ele dificilmente é chato e repetitivo igual alguns companions, e nos raros momentos quando isso acontece, ele esta sempre reagindo contextualmente as situações que estão acontecendo na narrativa, e Kratos rapidamente personifica o jogador e fala com o garoto pra não se entrometer nos seus assuntos e basicamente pede que ele ”pare de encher o saco”. Sinceramente eu não acho que o fato de o botão ”quadrado” estar associado a Atreus é só uma decisão de ergonomia ou gameplay. Deixar o garoto ligado a um botão que é historicamente personificado como a própria franquia God of War indica pro jogador quem é realmente o protagonista dessa narrativa.

Ao longo da história se percorre por múltiplos reinos, mas Midgard é ainda o principal e o que apresenta mais conteúdo. A estrutura que no passado era bastante linear, agora se abre bastante e esses segmentos lineares servem mais de conexão pra hubs abertos que tem tanto os elementos da narrativa principal quanto seções com conteúdo opcional. O design do mundo é quase um hibrido de outras linhas presentes em outros jogos do espectro atual. Ao passo de que Kratos ganha novas habilidades, ele pode encontrar novas áreas e criar atalhos entre essas áreas novas e outras que ele já passou, quase uma dinâmica entre design de Metroidvania 3D moderno e da mentalidade presente na série Souls. As seções abertas lembram bastante o design encontrado no reboot da série Tomb Raider, contendo ”dungeons” que misturam puzzles de progressão e combate. É de aplaudir a qualidade e a atenção dada a esses conteúdos opcionais, alguns dos melhores encontros de combate, design de levels e histórias dentro do projeto estão nas side-quests que não tem conexão direta a jornada de Atreus e Kratos e que podem passar despercebidas para o jogador se esse escolher limitar a sua exploração. Exploração essa que é feita muito por barco, uma mecânica que acaba tendo uma importância até maior para storytelling do que para locomoção. Muitas das interações entre Kratos e Atreus e também as diversas histórias contadas por Mimir acontecem durante momentos de navegação. O ponto baixo da exploração fica por conta do mapa que o jogador tem a disposição para se situar no mundo. Ele é visualmente agradável, mas é bem ruinzinho e confuso para os efeito de navegação em si.

A qualidade de todas as estruturas basicas de gameplay, design e narrativa fazem desse um produto onde o valor de produção mantém uma cadência viciante e agradavel. O jogo é longo mas consegue entregar um ritmo que não cansa e que mesmo com uma estrutura onde áreas são revisitadas, ele consegue manter o jogador se divertindo com o combate e engajado o tempo todo em completar a promessa feita a Faye. Se no passado eu olhava múltiplas vezes pro relógio quando jogando um God of War que me levaria 8, 10 horas para terminar, aqui eu joguei quase 50 horas e eu queria ainda mais.

A construção de mundo também é excelente. O trabalho posto em criar um visual épico como é tradicional da franquia mas agora em outra cultura foi atingido com excelência. A utilização de ambientes com elementos em escalas gigantes continua, mas de uma de um jeito diferente aqui, usando muito para construção de cenário. Ver a serpente-mundo Jörmungandr continuar a habitar o cenário depois de sua introdução por exemplo é sempre um doce aos olhos. Por conta da possibilidade de visitar reinos diferentes, o visual é até bastante variado. O tema geral é sim aquele aspecto frio da Tundra, mas além de florestas e pico nevados o jogo tem também vegetações bastante coloridas e montanhas vulcânicas por exemplo. A atenção aos detalhes nas estruturas internas dos palácios são incríveis. É um dos jogos mais bonitos que já joguei, tanto por conta de aspectos técnicos quanto do trabalho na direção de arte. E o mesmo pode ser dito da qualidade de todos os aspectos sonoros do jogo. Trilha sonora, performance de voz e design de áudio, todos excelentes.

Acho que um dos pontos mais interessantes de se discutir e comparar as antigas edições da franquia com essa nova são as boss fights. Os primeiros jogos eram conhecidos por ter batalhas com chefões em escalas colossais, fazendo com que o jogador se sentisse infinitamente pequeno em relação ao tamanho dos inimigos, mas ainda assim extremamente poderoso quando Kratos dilacerava e finalizava seus adversários com movimentos viscerais que invejariam Ed Boon e seus fatalities. Aqui, o tratamento para esses encontros pivotais é diferente, mas acho que de certo modo é até mais efetivo em traduzir uma sensação de poder e brutalidade crua do combate.

Primeiro que a quantidade de encontros dessa natureza são bem menores e o jogo muitas vezes tenta evitar o posicionamento dessas batalhas numa condição onde jogador consegue prever que após uma certa sucessão de encontros, o obvio é enfrentar um chefão. Eles são inseridos em harmonia contextual a narrativa e contribuem para o ritmo da aventura. Dessa forma quanto uma embate com um chefão ocorre, ele geralmente também marca um ponto de virada importante na história e são encontros onde a carga emocional é traduzida para as mecanicas do combate.

A qualidade geral de todas essas lutas são completamente positivas, porém existem três que são extramemente acima da média, excepcionais nesses dois quesitos (gameplay e narrativa) e que fazem uso da cinematografia mais intima, acompanhando a ação de perto e traduzindo a brutalidade e quão epicos e importantes são esses encontros. Porém também existe espaço pra critica negativa nessa area. Um dos conflitos introduz uma linha na história bem intrigante, que talvez faça até o jogador se questionar das suas ações, mas infelizmente nunca entrega uma conclusão pra essa história paralela, enquanto outro desperdiça a chance de usar um design de personagem e mecanicas especificas em um combate num ponto e lugar de grande destaque da história, escolhendo usar uma variação de um inimigo que é talvez constante até demais no jogo.

Mas como falei, no geral os bosses são excelentes, e o primeiro que ocorre por volta da primeira hora inclusive traz uma das batalhas mais espetaculares, se não a mais espetacular, que já experienciei em um video-game. O tratamento e a escala dada a esses encontros fazem delas experiências seculares dentro desse meio.

VEREDITO

God of War é um projeto especial. É celebratório atestar o alto nível da qualidade técnica e criativa posta aqui durante os seus cinco anos de desenvolvimento. Da forma com que reconstruiram o combate, como abriram o escopo do design de mundo voltado pra exploração e experimentação no gameplay, como entregaram uma ótima narrativa com bom roteiro, bons dialogos e personagens que não são unidimensionais e até o modo que eles apresentam os créditos, são todos aspectos quase irretocáveis. A Santa Monica Studio conseguiu mudar completamente minha percepção em cima dessa propriedade, algo que apenas uma obra-prima desse calibre seria capaz. Hoje, depois de treze anos de franquia eu posso finalmente afirmar que na minha convicção pessoal, Kratos é sim muito bom de guerra.

NOTA: 9.5/10