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REVIEW: Sekiro: Shadows die Twice (PC, PS4, XB1)

Sekiro: Shadows Die Twice
Data de lançamento: 22 de Março de 2019
Desenvolvedora: From Software
Publisher: Activision
Plataformas: PC, PS4, XB1
Preço Base: U$59.99

Se você já leu alguns de meus reviews aqui no Reloading, você já deve ter percebido que eu tento dar uma introdução evidenciando as minhas ligações seja com o jogo que está sendo analisado ou as características que ele apresenta. Eu gosto de demonstrar nos textos algumas das minhas preferências no mundo dos jogos, isso porque no fim das contas, essas análises são ainda extremamente subjetivas, e as minhas opiniões em certos aspectos podem e vão ser diferentes das de muitas outras pessoas (inclusive as suas). Então ao destrinchar a minha própria opinião em relação a jogos como um todo acredito que encontro uma forma de fazer com quem estiver lendo saiba de onde vem minhas críticas e elogios, e dessa forma julgar se temos opiniões gerais similares ou distintas, assim fazendo do review uma boa ferramenta.

Nesse review, acho ainda mais importante dar esse tipo de background, evidenciando a minha experiência (ou a falta de) em cima dos últimos 10 anos de jogos da From Software, período que a desenvolvedora ficou famosa por cunhar a ”Série Souls”. Eu tentei Demon’s Souls por uma hora muitos anos atrás e deletei o jogo do meu console tendo certeza que nunca voltaria, e a mesma experiência tive com o primeiro Dark Souls. Nunca nem toquei na sequência do jogo publicado pela Bandai Namco em 2014, e foi finalmente em Bloodborne que eu resolvi tentar mais uma vez a me adentrar na ‘’série’’. Em 2015 isso seria ainda uma experiência sem sucesso, após jogar por quase uma dúzia de horas acabei largando por ficar travado em um dos chefes (que anos depois eu descobriria que era opcional) e sai com o pensamento de que apesar de ter me divertido algumas horas, aquele estilo de jogo ainda não era pra mim. E acabei repetindo praticamente a mesma rota com Dark Souls III no ano seguinte, tendo jogado algumas horas mas desistindo depois de apenas alguns chefes.

Porém em 2018 resolvi dar mais uma chance a Bloodborne e me adaptei ao jogo quase instantaneamente dessa vez. Possivelmente por não ter tanta pressão por já estar bem longe do lançamento, eu pude pacientemente aprender as particularidades do combate, e principalmente, apreciar o trabalho incrível que a From Software faz em termos de construção de mundo, seja no visual das suas localidades e personagens, em relação ao game design ou nos elementos narrativos. Bloodborne foi um dos casos onde me vi mais imerso e curioso sobre o universo que eu estava esmiuçando. Foram dias onde fiquei consumido pelo jogo, explorando todas as áreas que pude e enfrentando além dos chefes obrigatórios (para um dos finais), todos os opcionais também. Terminei com a impressão de que esse era um dos meus jogos favoritos da geração.

Por isso quando Sekiro: Shadows Die Twice foi propriamente revelado durante a E3 de 2018, eu criei um grande entusiasmo pelo jogo. Agora alguém que havia passado por um jogo ‘’Souls’’, a oportunidade de pular em um desses jogos no período onde a comunidade ainda está explorando estratégias e descobrindo segredos desse mundo era muito empolgante.

Aos poucos fomos vendo que mesmo mantendo ainda o DNA característico da From Software, Sekiro seria um projeto que experimentava ainda mais com a fórmula estabelecida nos dez últimos anos. Primeiro que após esse período fazendo jogos com estéticas ocidentais, aqui ela retrata uma adaptação fantasiosa do Japão durante o período Sengoku no século 16, uma época marcada por constantes guerras nos país. Nós jogamos controlando um personagem chamado Lobo (outra mudança, já que aqui temos um personagem fixo, e não a possibilidade de criarmos um como nos jogos anteriores), um órfão adotado por Coruja, um Shinobi, que além de virar seu guardião é também seu tutor de combate. Nossa missão de início é resgatar o jovem herdeiro divino, de quem Lobo é segurança pessoal. Após falharmos a primeira instância, acabamos perdendo nosso braço esquerdo, substituindo-o por uma prótese shinobi no lugar.

De cara várias outras diferenças são apresentadas a nós durante a primeira hora. Enquanto a ‘’série souls’’ se baseia em vários elementos de RPG, Sekiro é mais um action-adventure onde o sistema de upgrades do personagem é bem mais simples e direto, contendo árvores de habilidades ao invés de uma tabela de atributos. Após morrermos, perdemos nossos recursos (Sekiro tem tanto pontos de experiência quanto sens, o equivalente a dinheiro) porém ao invés de perdermos tudo, apenas metade destes recursos vão embora, mas sendo impossível recuperar a outra fatia.
Por não ter nenhum modo de  multiplayer assíncrono, podemos pausar o jogo a qualquer momento dessa vez, uma feature que parece de pouca consequência, mas que é um baita ganho de qualidade de vida dentro do jogo.

Não temos também uma gama grande de armas, a única opção é usarmos uma katana, com a variedade maior de opções de combate ficando a cargo dos diferentes acessórios que podemos encaixar em nossa prótese shinobi. Estes acessórios podem servir de auxílio ao ataque, defesa e táticas de stealth.

Stealth é inclusive um outro elemento que difere Sekiro de outros jogos recentes da From, pois existe um foco muito grande nesse aspecto, e passar despercebido por inimigos por exemplo esgueirando por paredes ou agachado em vegetação alta são estratégias viáveis de progresso, assim como pegar seus adversários desprevenidos pode resultar em uma eliminação instantânea. Lobo tem um botão de pulo dedicado e também um grappling hook em sua prótese capaz de nos impulsionar para telhados, árvores e outras estruturas mais altas. O design dos mapas não só é extremamente bem realizado para nos dar múltiplas opções de ação, mas também para passar a atmosfera de que estamos de fato aplicando táticas shinobis durante as situações de gameplay. Até em vários dos chefes e sub-chefes podemos utilizar do stealth para facilitar muito as nossas batalhas, e eu adorei todo o senso de verticalidade e rápido movimento (que se beneficia muito da não existência da barra de estamina) que essas habilidades de travessia dão a Sekiro. Mas embora eu seja realmente muito fã da implementação e execução desses elementos dentro do jogo, ainda tenho algumas ressalvas em relação ao stealth. Primariamente os meus problemas estão na inteligência artificial durante estes momentos, porque eles dificilmente reagem ao passarem por um (ou todos) de seus aliados que foram abatidos de surpresa, então em muitas situações podemos abusar da ingenuidade dos inimigos. Mas também algumas vezes o contrário ocorre, e somos descobertos em situações que não parecem exatamente justas, porém esse tipo de ocorrência é bem mais raro. Não chegam a ser complicações que tiram o meu louvor por terem implementado essa opções dentro do gameplay, mas são inconsistências que incomodam um pouco.

Eu gostaria também que houvessem ainda mais sistemas ligados ao stealth. Como existe um grande foco em atingir pontos de vantagem em cima de construções ou árvores, uma habilidade de marcação de inimigos (já que até somos munidos de uma luneta ) poderia ter sido uma ferramenta interessante para termos ainda mais controle da situação. Porém isso não é exatamente um problema como o jogo, e sim uma feature que poderia ter aprofundado o gameplay nesse sentido.

Um outro pilar diferente dessa experiência é como ela trata narrativa. O storytelling é muito mais direto, e existe um apelo até mais cinematográfico na experiência, com várias cutscenes bem trabalhadas, performances de alta qualidade (tanto em Inglês quanto Japonês) e uma quantidade até surpreendente de set pieces de ação muito bem feitas. O único problema se encontra na implementação das cutscenes (que são cinemáticas belíssimamente dirigidas e executadas, uma qualidade que já vem de outros trabalhos da desenvolvedora), pois a transição entre estas cenas e o gameplay nunca é muito natural ou geralmente bem feita, ocorrendo aquela loadings entre elas que podem incomodar e atrapalhar o ritmo, principalmente se estivermos em situações de batalhas com chefes por exemplo, onde vamos morrer e passar por essas transições várias vezes. Mesmo podendo pular as cutscenes, aquele próprio intervalo entre carregar a cena e o momentos que podemos dar skip pode irritar um pouco.

Agora, o ponto central que ele difere mesmo é no combate. Um elemento extremamente importante que tanto Lobo quanto seus inimigos tem é um medidor de postura, que enche ao sofrermos ataques. Se formos atingidos, além de sofrermos dano, o medidor enche mais rápido, se defendermos, ele enche bem mais devagar e se fizermos o parry ou um contra-ataque de forma perfeita, passamos essa carga de postura pro inimigo. Se essa barra de postura chegar ao limite, ocorre um momento de exposição, e enquanto para nós isso significa que por um momento estaremos impossibilitados de agir abrindo nossa guarda para ataques, nos inimigos essa situação nos abre a possibilidade de usar um death blow, ataques que igual a approaches de stealth, zeram a barra de vida dos inimigos instantaneamente. Dessa forma os embates tomam diferentes formas dependendo de qual inimigo enfrentamos. Alguns têm pouca vida, então vale a pena sermos mais agressivos, outros tem resistência muito grande a golpes, mas uma barra de postura que enche rápido, e existem até inimigos que são imunes a ataques então quebrarmos sua postura é a única forma de derrotá-los. E existe também um balanceamento que relaciona vida e postura. Quanto mais o personagem sofre dano, mais rápido sua barra de postura enche também porque ele está com menos resistência para defender os ataques. Isso vale tanto para Lobo quanto para os inimigos, então sua estratégia deve sempre levar esses fatores em conta. No começo, por ainda estarmos com nosso poder de ataque baixo, até os oponentes mais comuns demonstram uma resistência, e o parry é uma boa saída para finalizações rápidas, mais pra frente, conseguimos passar como um rolo compressor destruindo inimigos com poucos golpes, mudando completamente o ritmo das batalhas. Eu fiquei impressionado em como o combate é ao mesmo tempo metódico e cadenciado em alguns momentos, e extremamente rápido em outros, e gostei tanto dele mais pro final, que pouco tempo depois de ter zerado já pulei pra um new game plus, porque eu queria passar pelas areas iniciais agora bem mais poderoso, e com o conhecimento de combate bem mais aprofundado.

Ainda existe um foco em estudar os movimentos de inimigos (principalmente de chefes e sub-chefes) para então decidir o nosso posicionamento no campo de batalha, mas em Sekiro essa análise é mais necessária para sabermos principalmente qual tipo de atividade defensiva devemos tomar. Se precisamos apenas defender, pular, dar o parry ou evitar o ataque completamente, pois estas ações têm repercussões diferentes tanto empiricamente quanto dependendo de como está a situação do nosso personagem. Se estivermos com pouca vida, tentar um parry perfeito pode ser extremamente arriscado pois se não formos bem sucedidos, perdemos muita postura, e se a postura estiver muito alta, talvez seja melhor tomar distância para que possamos nos recompor. E claro, temos também a mecânica que dá nome ao subtítulo de Sekiro, a ressurreição. Abençoado pelo herdeiro divino, Lobo pode renascer uma vez após ter sua barra de vida zerada, voltando com ela pela metade. Isso pode criar até situações novas de stealth, pois se conseguirmos voltar a tempo em um momento onde inimigos já esqueceram de nossa presença podemos executar um death blow se estes tiverem dado as costas para nós.

Mais do que nunca esse é um jogo onde a sua estratégia não é necessariamente sair da frente do inimigo com esquivas, mas sim encarar friamente um ataque usando a medida defensiva certa. Ao progredirmos nas áreas, a sensação é de solucionar um quebra-cabeças decidindo e testando diferentes estratégias de como lidar com múltiplos inimigos ao mesmo tempo, combinando stealth, acessórios shinobis e o combate corpo-a-corpo, e nas batalhas com sub-chefes ou chefes, aquela indução de adrenalina por estarmos em um duelo onde um movimento errado pode botar tudo a perder é eletrizante. Sei que isso não é novidade pra quem já está acostumado com jogos da From, mas aqui por conta de toda a estética shinobi, eu sinto que a tensão é ainda maior pois existem aqueles períodos ‘’calmos’’ onde ambos estão se analisando, seguido de ataques e movimentos rápidos. Existe um bom balanço nas principais batalhas entre criaturas de grandes proporções e personagens de porte similar a Lobo, e eu diria que praticamente todas conseguiram ser engajantes e se tornarem os pontos altos do jogo onde vemos as situações de gameplay, padrões de ataque e animação de personagens mais incríveis da aventura. Só é uma pena que em alguns casos, somos atrapalhados pela câmera que dependendo do seu posicionamento no cenário, desfoca automaticamente do inimigo que nos leva a perder controle da situação.

Apesar de todas as diferenças, existem também pontos onde Sekiro é similar a ‘’série souls’’. Temos checkpoints semelhantes a fogueiras e lamparinas e ao repousarmos em um, resetamos todo o status daquela área, trazendo inimigos comuns de volta para o cenário. E um aspecto que volta e que me incomoda desde os outros jogos é em relação ao uso de itens. Por mais que tudo a sua volta se resete, seus itens usados não, e apesar de entender que seja assim durante os segmentos normais de fase, já que você pode usar deste loop para farmar experiência, moedas e inclusive itens, é justo sim que o seus itens usados não resetem, porém nas batalhas contra chefes, que em alguns casos vamos tentar e morrer várias vezes, e que não podemos tirar proveitos da mesma natureza, perder alguns itens chaves para aquela luta a ponto de ficarmos sem nenhum causam um estresse extra pois provavelmente teremos que interromper essas tentativas de progresso para farmarmos mais itens durante as áreas comuns. Mas para ser justo, só de terem mudado a forma como o item geral de cura funciona (agora algo que podemos fazer upgrade e que recarrega a cada repouso) já melhorou bastante. Mas esse é uma das faces da filosofia de design da From Software que parecem ser introduzidos somente para tirar o jogador do sério. Outro é uma mecânica nova que te penaliza por mortes no jogo, diminuindo a sua chance de receber uma bênção ao renascer que não leva embora sua experiência e moedas obtidas na última vida e que pode também interferir em algumas side-quests. Não é algo de muita consequência, e que mais tarde descobrimos que pode ser remediada, então eu não vejo uma grande razão de até ser uma mecânica dentro do jogo. Me parece que é só mais uma forma de, num momento que o jogador já está decepcionado por ter sucumbido, jogar ainda outro aspecto irritante em cima dele. Existem várias maneiras de se desafiar o jogador através das mecânicas e game design, e a From Software entende isso melhor do que ninguém, mas algumas decisões não passam como elementos de dificuldade, e são apenas irritações adicionais. E um outro ponto negativo que ele herda é a performance, que principalmente em momentos mais cruciais onde tem muita coisa acontecendo na tela, pode jogar a taxa de quadros lá pra baixo e atrapalhar a visão e entendimento da cena do jogador.

Agora, algo que eu espero que Miyazaki e a From Software como um todo nunca mudem é a disposição e criatividade que eles tem pra criar situações de gameplay, personagens e momentos que são ao mesmo tempo incríveis e bizarros. Até os momentos em que morremos por algum comportamento inesperado de inimigos conseguem nos impressionar a ponto de abrirmos um sorriso na cara, incrédulos com o que acabamos de presenciar. A constância na genialidade de conseguir subverter as expectativas e surpreender o jogador é um dos elementos que fazem esses mundos da From Software tão viciantes. Inúmeras foram as vezes que hesitei em avançar e pensei comigo mesmo “o que diabos é isso?” ao encontrar um novo inimigo de design mirabolante. A cada nova área a sensação é de desbravamento mesmo, porque não temos a mínima noção de quais surpresas vem a nossa frente, e aquele processo de evolução que vamos de desconhecer completamente uma seção do mapa, a dominar totalmente os inimigos e o deslocamento nessa seção é muito satisfatório. E se na rota principal já somos surpreendidos, em quests opcionais e áreas secretas as loucuras que saem da cabeça de Miyazaki e companhia são ainda maiores e sempre são passos a mais que valem a pena seja pelas recompensas ou pelo simples prazer de explorar ainda mais esse mundo. Mundo esse que tem uma direção de arte belíssima inclusive, mesmo com a From Software não estando entre as developers com um calibre visual dos mais altos


VEREDITO

Apesar de ser um jogo diferente das entidades da série Souls, Sekiro: Shadows Die Twice é igualmente fantástico pelas mesmas razões básicas: uma construção de mundo excelente, combate profundo e desafiador e um game design incrível. E mesmo que ainda existam algumas pequenas decisões que continuam me incomodando, em contrapartida eu cada vez mais me apaixono com a filosofia geral de design da From Software.

NOTA: 9/10