0

RESENHA: Jogue Death Stranding. É importante

Este texto foi escrito por João Varella, fundador da editora Lote 42 e autor da análise de Death Stranding publicada pela Folha de São Paulo


[AVISO: este texto não tem spoilers do enredo, embora discuta algumas mecânicas e estruturas de Death Stranding]

Recebi Death Stranding para resenhar para a Folha. Lá eu escrevi para um público amplo. Aqui no Reloading quero falar com os amigos apaixonados pelo hobby. 

É um momento bom para aprofundar. Estamos na entressafra entre o fim do embargo para crítica, na última sexta, e o lançamento do jogo, próxima sexta. Há interesse, porém com mais silêncio e calma. 

O ponto que quero fazer aqui é que Death Stranding tenta ampliar as fronteiras do videogame. Ênfase em “tenta”. Talvez você ache que Hideo Kojima, o diretor do jogo, tenha falhado, que a experiência de jogo é ruim. Mas ambicionar dar um passo à frente é importante, ainda mais no repetitivo mundo das altas produções. 

Antes de ter jogado quase 60 horas, minha intuição já dizia que esse seria um título diferente. É uma obra do criador de Metal Gear Solid, franquia que exige muita paciência com os controles para poder aproveitar uma história criativa (não joguei MGS 5, que parece ter consertado esse problema). Eu não queria jogar Death Stranding. Eu queria ter jogado para escrever sobre ele. 

Há muito vídeo de gameplay por aí. Nós jogadores desenvolvemos cedo uma intuição para os jogos. Bastam uns minutinhos de vídeo para sacar se o jogo vai encaixar com seu gosto pessoal ou não. 

Como os trailers vem mostrando desde 2016, Death Stranding tem foco em sua narrativa original. 

O que impressiona no trabalho de Kojima é a originalidade — é um universo novo, com muita personalidade — e a coerência. Minha expectativa era que Kojima partisse para uma amarração abstrata, deixando pontas soltas de propósito — algo na linha Limbo, Journey etc. 

DS deve gerar um ou outro debate nos Reddits da vida, ter alguns furos de roteiro, mas no final o grosso da trama está explicada. 

O jogo conjuga tradição com inovação. Vi uma clássica estrutura de três atos, típica do cinema que Kojima tanto gosta. 

O começo deixa o jogador de queixo caído com o ambiente. Por umas cinco horas há uma sucessão de eventos de impacto, com o típico tutorial de comandos e missões simples. O argumento de exercer o papel de um carteiro em um mundo pós-apocalíptico é uma proposta inovadora, fora do padrão tão típico dos jogos AAA. 

Só Kojima parece ter condições de ter um orçamento gigantesco para se expressar tão livremente e é bom que isso aconteça.

Para se ter uma ideia do senso comum dominante nos blockbusters do videogame, a nota mais alta neste ano segundo os agregadores de resenhas é de um título com um policial dando tiro em zumbis. E como se não bastasse isso, é um remake, o lançamento original é dos anos 1990. 

Voltando a Death Stranding…

Depois de sair da primeira área é onde começa o ato 2, mais focado no gameplay com algumas cutscenes como prêmio pela superação de desafios. É quando o jogo soa mais tradicional. Há um claro esforço de não deixar o jogador aborrecido, com a introdução constante de novas mecânicas e equipamentos. 

Reforço: o argumento inusitado, de um carteiro fazendo entregas, muda tudo. Os upgrades são mais relacionados com o deslocamento do que com a pancadaria. Quando o jogador ganha acesso a armas letais, isso não necessariamente é uma coisa boa. 

É quando os defeitos afloram. As animações repetitivas pesam. Dá para pular as cenas repetidas apertando options, direita e X, mas geralmente há pequenas cenas encadeadas. A entrega exige que a sequência de comandos seja feita duas vezes para pularmos todas as cutscenes; tomar banho, três.  

Os menus de letra pequenas, um mal que já acometeu The Outer Worlds e God of War (este foi consertado com uma atualização), side quests meio chatas. 

O entra e sai de inventários, criticado por alguns, é importante, pois parte do raciocínio de que o jogo pede é a estratégia para chegar a um determinado lugar. 

No final, há um longo terceiro ato, o típico desenlace dos roteiros cinematográficos. Não há desafios, surge uma interação nos trilhos com algumas surpresas. É quando o jogo volta a soar estranho mas já num clima de fim de festa e conclusão.

Experimentar e testemunhar essa proposta vale a pena. É um jogo que dá vontade de pensar mais sobre a obra depois de finalizado. 

Não é um jogo complicado em sua dificuldade normal. Não há vergonha ou desonra em mudar a dificuldade do jogo no options em qualquer momento. O que importa é usufruir da obra, seja agora no lançamento ou depois, com a esperada queda no preço. 

PS: A Sony pediu para os resenhistas não falarem a partir de um determinado momento que marca uma mudança importante da narrativa. Pelo o que vi, todos os grandes canais respeitaram isso, preservando a experiência. Também não houve um grande vazamento de cenas e imagens. Legal de ver essa conscientização, cabe um elogio ao amadurecimento da turma que cobre games.