Este texto foi escrito por João Varella, colaborador de games na Folha, fundador da editora Lote 42 e autor do livro ”Videogame, a evolução da arte”, disponivel no site da Banca Tatuí
A batida expressão “pensar fora da caixa” serve muito bem ao caso Dreams. A Sony tratou esse lançamento como um jogo qualquer, mais uma caixinha da longa lista anual. Por ser o que é, Dreams merecia uma estratégia diferente.
Resenhei o jogo na Folha de S.Paulo. Se você não sabe do que se trata, aconselho ler. Aqui no Reloading queria aprofundar a questão de como esse software (termo mais abrangente que jogo) deveria ser encarado.
Dreams é muitas coisas, entre elas uma rede social de jogos com uma filosofia de código aberto. Dá para pegar a criação de outro usuário e remixar ao seu bel prazer. É uma aposta na construção coletiva.
Sem paciência para desenhar um carro de Fórmula 1? Vai no jogo de um camarada que tenha feito algo parecido ao que você quer. Assim você pula etapas, entra numa warp zone do processo criativo. Talvez o automóvel que você copiou legalmente também seja um remix de um outro projeto. Esse conceito fluído somado ao jeito fácil de “programar” faz de Dreams um instrumento de criação absurdamente poderoso.
Porém, repito, a raiz é de uma rede social. O sucesso desse tipo de plataforma é diretamente ligado à popularidade. Quanto mais gente, mais legal, mais divertido, mais força até para a proposta de construção coletiva.
Há mais pessoas interessadas em jogar do que criar. Normal, há mais gente disposta a assistir do que filmar, a ler do que escrever, a ouvir do que musicar. Os artistas querem desejam encontrar suas plateias.
Dreams precisa se abrir. Por que não uma versão do jogo mais leve e mais barata sem as ferramentas de criação? E por que não essa versão lite não pode estar até em outras plataformas? Seria uma delícia acessar jogos criados em Dreams no Switch ou no smartphone, por exemplo.
Os exclusivos são uma poderosa bandeira do PlayStation, estratégia que sustenta essa fonte de receita da empresa. Mas é um erro tratar Dreams como outro jogo da Naughty Dog. Do jeito que foi lançado, o título da Media Molecule parece não cumprir seu propósito. Um jogo sem jogador está incompleto.
O que estou defendendo é difícil. Uma multinacional tem um jeitão de trabalhar, controles internos que impedem um diretor de sair por aí aloprando com a grana da companhia. Mas Dreams é uma realização tão poderosa que merecia o esforço, talvez colocando a própria Media Molecule no comando das decisões de marketing.
Os resultados de venda do jogo não são expressivos. Apesar de ter sido o quinto jogo mais baixado na PlayStation Store dos EUA e Europa em seu mês de lançamento, ele falhou em entrar no top 20 de jogos mais vendidos no ranking da National Purchase Diary (NPD), grupo que rastreia as vendas de jogos nos Estados Unidos, no mesmo mês. Não há repercussão, de nada sendo criado lá há semanas. Tomara que a mudança de geração incentive a Sony a mudar sua estratégia. Seria lamentável que Dreams entre para a história como mais um exclusivo de PS4, esquecido apesar de suas façanhas.