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Meu novo cartucho.


Reloading Stories Vol 1.

Olhava pela janela e via os prédios passarem rapidamente quando dei conta de que era real: eu estava com o novo jogo das Tartarugas Ninja em mãos.

Meu pai dirigia calmamente olhando concentrado para a frente e nem percebeu o sorriso de canto de boca que dei olhando para ele, agradecido por ter comprado o que eu tanto queria.

Na época, não tinha noção dos preços dos jogos, então não fazia ideia dos sacrifícios que meus pais haviam feito apenas para me agradar.

Olhando os encartes hoje em revistas antigas, os preços lá anunciados parecem convidativos. Quando faço a conversão… bem, bate certa ansiedade.

Meu pai e minha mãe eram loucos. Não há outra maneira de descrever.

Mas naquele novembro chuvoso, nada disso importava. Eu havia pedido para eles e haviam me dado o jogo que eu tanto queria.

Tirei do plástico para ter certeza de que era verdade. Girei a caixinha e fiquei olhando o verso… Vendia de maneira inocente aquela experiência.

Eu não entendia muito bem o que estava escrito, mas ter esse contato com o inglês desde cedo me incentivou a ir atrás de querer aprender mais.

Dizem que é besteira, mas não era não. Os jogos realmente me incentivaram nessa direção de aprender um idioma.



Ao parar em um sinal, vi que ele tirou as mãos do volante e apoiou um dos braços na janela, segurando sua cabeça. Apenas esperando. Resolvi perguntar.

“Posso abrir?”, meio receoso. “Claro que pode, filho. É seu.”, ele respondeu, dando um sorrisinho que me confortou de que era a coisa certa a fazer.

Tirei o plástico e imediatamente subiu aquele cheirinho de jogo novo. Não sei explicar, mas era uma sensação diferente de tudo o que eu conhecia. Era aquele cheiro.

Puxei o suporte em papelão que serve como divisória nas seções e vi que o cartucho tinha uma espécie de plástico protetor cobrindo sua parte de encaixe no console.

Parecia uma escova de dentes nova. De repente é por isso que alguém teve a brilhante ideia de soprar ou passar baba nas fitas que não funcionavam.

Que nojo.

Fui para o manual, que se destacou de outros encartes que vinham junto com ele. Os telefones para a central de dicas eram tentadores, mas meu pai já tinha feito muito sacrifício para me dar aquele jogo.

Uma ligação internacional apenas para ter dicas de joguinhos parecia abusar demais de sua boa vontade até para um menino de 11 anos.

Quando estacionamos em casa, desci do carro mais rápido do que jamais imaginei e parti em direção à TV da sala, que já tínhamos preparado tudo para quando chegássemos com o novo jogo.

“Não vai me ajudar com as compras não?”, meu pai gritou, em vão. Passei tão rápido pela minha mãe que ela precisou me chamar de volta.

“Ei, ei, ei, onde o senhor vai?”, deixando claro suas intenções. Virei e dei um beijo no seu rosto antes de voltar a correr para a TV da sala.

Eu juro que não o ouvi. Não foi por mal. Já ela eu tinha que ouvir.

O console não ficava ali o tempo todo; era colocado apenas quando era dia de jogar videogame. Claramente, não pertencente àquele ambiente.

Afinal, segundo minha mãe, estragava a TV e ela não podia perder suas séries policiais. Nem a quadragésima reprise só naquela semana de Jeannie é um Gênio.

O console no chão parecia um ET estirado com seus fios espalhados para trás da televisão, para as tomadas e com controles que pareciam tentáculos.

Não chegavam até o sofá, mas não importava. Sentei no chão mesmo, perto da TV, mas não o suficiente para minha mãe reclamar que eu ia estragar minha visão.



Coloquei o cartucho, liguei. Expectativa.

Todo o resto que veio depois se espalhou pelo chão com a minha ansiedade.

Aquele sonzinho do início de um jogo era um terror para quem estava querendo logo escolher sua tartaruga favorita e surrar bandidos pelas ruas. E por diversos tempos da história.

Mas era só um loading. Depois logos. Uma eternidade até chegar ao press start que só uma criança consegue entender.

Meu pai entrou logo depois, carregando as compras que minha mãe tinha pedido para ele fazer. E que ele tinha pedido para eu ajudar, mas não ouvi novamente ele reclamar.

Também não vi quando os dois se abraçaram de lado e ficaram me observando, quietos, felizes pela satisfação e pelo momento que eu estava tendo. Orgulhosos.

Ele deu um beijo na cabeça dela, que o abraçou por um instante de segundo mais forte.

Quando a gente vira pai, ver a felicidade do nosso filho é também a nossa. É impressionante essa sensação, não faz muito sentido quando explicamos.

Precisamos apenas sentir.

Mas para o pequeno eu, depois de um ano inteiro jogando o mesmo jogo, estava feliz de finalmente ter algo novo para jogar que fosse meu.

Não alugado, não emprestado.

Era o meu novo jogo.

Eram outros tempos, outras oportunidades.

Muitas memórias.