0

REVIEW: Control (PC, PS4, XB1)

Data de lançamento: 26 de Agosto de 2019
Desenvolvedora: Remedy Entertainment
Publisher: 505 Games
Plataformas: PC, PS4, XB1
Preço: U$59,99


‘’Isso vai ser mais estranho que o normal’’

Estas são as primeiras palavras que a protagonista Jesse Faden (interpretada aqui por Courtney Hope) profere na abertura de Control. Parece não só um prefácio sobre a trama que está começando, mas também um comentário metalinguístico em cima dos outros trabalhos dos Finlandeses da Remedy, e até da indústria como um todo. 

Apesar de não eu ter tanta conexão com os dois primeiros Max Payne, Alan Wake e Quantum Break são jogos que eu tenho sim um certo apreço. Alan Wake foi uma das experiências mais interessantes da sétima geração, um shooter em terceira pessoa que tinha propostas de combate relativamente simples, mas inovadoras e contextualizadas muito bem com a sua história, e uma atmosfera relativamente única (compartilhada no mesmo ano com Deadly Premonition) naquele momento. Com Quantum Break o conceito mais tradicional de sci-fi envolvendo viagem do tempo até foi bacana, provendo gás o bastante para situações que fossem empolgantes, principalmente visualmente, mas numa visão geral, o elenco de personagens não foi tão carismático (principalmente o protagonista) e a história ao meu ver foi prejudicada pela qualidade e natureza do elemento live-action, que era apresentado como episódios de uma série de TV bem desconexa e medíocre. O que pra mim foi acertado de mão cheia em Quantum Break, foi o combate, dando velocidade e bastante personalidade para um jogo linear em terceira-pessoa, sendo um dos meus favoritos da geração nesse aspecto. Quando olho para o pacote inteiro de Control, enxergo um produto que pegou as melhores partes, evoluiu muitas das suas áreas e herdou bem pouco dos elementos mais fracos dos seus dois últimos antecessores.

Começamos Control adentrando A Casa Mais Antiga, um prédio misterioso em Nova Iorque que abriga o ‘’Federal Bureau of Control’’ (uma clara analogia ao FBI), uma instituição governamental secreta que lida com casos sobrenaturais. Jesse está em busca de seu irmão que foi levado pelo FBC há muitos anos atrás, e chega ao prédio justo em um momento de crise dentro da instituição. Ao se deparar com alguns acontecimentos bizarros, Jesse acaba tomando posse da Arma de Serviço, um objeto de poder que confere a ela o posto de nova Diretora do FBC.

Control tem uma pegada parecida com Arquivo X, não tanto na estrutura e ambientação como é a correlação entre Alan Wake e Twin Peaks, mas nos temas obscuros que aborda. Muitos dos colecionáveis e conteúdos opcionais são sobre situações e objetos que lidam com entidades sobrenaturais encontradas pelos agentes em investigações passadas. Eu adorei todo o trabalho posto na criação e elaboração do background desse mundo que o FBC trabalha em cima. Assim como Quantum Break, Control tem uma quantidade enorme de colecionáveis, mas aqui eu me vi muito mais inclinado a parar e ler sobre as bizarrices que a ficção estranha desse mundo apresenta. Muito porque o eu fui completamente puxado pelo eixo central da narrativa que também não tem receio nenhum de se mostrar como algo surpreendente, excêntrico e misterioso. Muitas das situações são absurdas e não tem nem uma explicação explícita, mas também porque teriam, num trabalho de ficção como esse, algumas coisas são estranhas simplesmente porque essa é a natureza delas.

A Casa Mais Antiga é um prédio que tem uma conexão intrínseca com o sobrenatural. Um ponto que converge diferentes dimensões e que tem certa autonomia sobre sua forma. Isso acarreta na possibilidade de áreas não convencionais e até em mudanças na sua estrutura em certos momentos da história. Com um visual influenciado pela linha arquitetônica Brutalista, com muitas estruturas com ângulos retos feitos em concreto, existe aqui uma reutilização bem aparente de assets (80% dos banheiros do jogo são idênticos por exemplo), mas como outras áreas são tão distintas e criativas isso não gera um grande incômodo. Sem falar que o FBC é uma repartição pública então até existe uma razão contextual pro seu visual padronizado (sem falar que como Control é um produto de orçamento reduzido, e isso claramente foi a forma que eles encontraram para controlar os gastos nesse departamento).

Como se passa todo dentro do prédio, essa foi a oportunidade de explorar uma progressão não linear. Com seus departamentos interconectados, a navegação é controlada principalmente por variados níveis de cartões de segurança, que dão a possibilidade de abrir diferentes portas criando conexões entre as quatro seções principais que o jogo engloba. As habilidades de Jesse também são elementos ligados a navegação, abrindo a possibilidade de exploração em busca de atividades e recompensas opcionais. Ao longo do prédio existem pontos de Controle que usamos como o sistema de fast-travel.

Como é tradicional em um Metroidvania (sim, Control é mais um exemplo de Metroidvania 3D), de cara vemos áreas com pontos de interesse que não são possíveis de alcançar naquele exato momento mas que tentaremos guardar na memória para o futuro. No geral, as seções escondidas guardam baús com recursos, mas algumas são recompensadoras de formas mais substanciais podendo oferecer novas quests, segredos envolvendo o lore do FBC, habilidades e até chefes opcionais. Alguns dos melhores e mais impressionantes momentos de Control acontecem em side-quests, e aconselho muito que se busque explorar todos os segredos que A Casa Mais Antiga esconde.

O combate de Control tem suas raízes em Quantum Break. Apesar de ser um jogo de tiro em terceira pessoa, este também não é um ‘’cover shooter’’ (como Gears of War ou até Uncharted), e com um ritmo ainda mais acelerado que o projeto antecessor da Remedy, a ideia é se manter constantemente em movimento, misturando as habilidades com suas armas de fogo. A arma de fogo no caso, já que ao invés de um variado arsenal, usamos sempre A Arma de Serviço que tem a possibilidade de se transformar fisicamente para mudar suas características. É uma forma interessante que o jogo encontra de te dar uma pistola, uma metralhadora, uma shotgun e vários outros padrões conhecidos de armas nos videogames. Para desbloquearmos estas diferentes formas, usamos de recursos encontrados no jogo via exploração e combate e também fazemos upgrades nas armas da maneira que melhor nos convir. Existe uma grande variedade de opções e modificadores que as armas podem receber, mas para ser bem sincero, eu usei basicamente só a forma inicial da arma (uma pistola básica) com upgrades relacionado a dano durante a maioria da minha experiência, trocando apenas em momentos muito específicos.

Isso porque o elemento mais central do combate na minha experiência foram as habilidades de Jesse, e principalmente três delas. Rapidamente ganhamos o Arremesso, que nos dá a possibilidade de atirar objetos presentes na área ou até pedaços de concreto das paredes nos inimigos. É algo tecnicamente impressionante, visto o trabalho posto na simulação da física de objetos e detritos dos ambientes. Muitos dos elementos do cenário são manipuláveis e destrutivos, e com upgrades à habilidade, podemos arremessar projéteis atirados contra nós e até os próprios inimigos. A usamos também fora do combate, em situações de puzzle e em raras vezes para alterarmos o ambiente para descobrirmos segredos. É uma das mecânicas de gameplay mais satisfatórias dos últimos tempos, muito porque funciona extremamente bem como parte do combate e por que vem acompanhada por um design de som incrível. Ouvir os detritos se aproximando do seu controle após os conjurarmos me lembrou a sensação de antecipar a chegada do Leviathan em God of War.

Com a habilidade da evasão, podemos desviar de ataques e nos deslocar rapidamente com um dash. Ela é primordial para caracterizar o combate e a travessia do jogo como algo veloz e dinâmico. E por último, a habilidade que complementa a trinca das que enxergo como as principais, é a levitação. No combate ela funciona para facilitar as batalhas com inimigos que também podem voar, e te dar um ponto de vantagem e melhor análise em relação aos que estão no chão. Ela é também a mais importante para a exploração, sendo necessária para atingir diversas áreas dentro do prédio. Existem mais habilidades, e todas envolvem quests bem elaboradas como ponto de introdução, mas meu uso delas foi bastante restrito em relação a estas outras três.

O inimigo é denominado de ‘’O Ruído’’ (The Hiss no idioma original), uma entidade paranormal que possuiu e corrompeu vários dos agentes da FBC. Existe uma variedade até grande, que se distinguem basicamente em relação aos postos que estes agentes tinham dentro da organização, mas poucos são memoráveis. Este é um dos traços mais fracos que Control herdou de Alan Wake e Quantum Break. O design visual e de comportamento dos inimigos, principalmente das batalhas consideradas como chefes, é pouco inspirado e relativamente genérico. É curioso que os encontros mais interessantes e diferentes se encontram em atividades completamente opcionais, até por isso recomendo fortemente que se explore bastante para experienciar estes embates.

Mas a maior fraqueza mesmo de Control infelizmente fica a cargo de problemas técnicos. Por conta de todo o trabalho que que ele tem em explorar ambientes destrutivos e manipuláveis, em alguns momentos onde o combate é mais intenso, jogando no meu Xbox One S, ele tem recorrentes problemas de performance. Eu experienciei também travamentos e slowdowns (quando se volta de uma tela de pause acontece 100% das vezes), inclusive em algumas cutscenes, e é comum também ver texturas que não carregam no momento certo. Um patch de correção já foi lançado que suavizou algum destes problemas, mas não os sanou completamente. Um glitch que fazia com que o mapa que não carregasse de forma correta pelo menos metade das vezes foi um dos problemas que tive na minha experiência que vi que foi completamente resolvido.

Talvez por fruto deste ser um projeto com maior independência, onde a Remedy fez um acordo de publicação que cobriu somente uma parte dos custos de desenvolvimento, em termos de direção e tom, a sensação é que eles não tiveram muitas restrições para expressar sua personalidade e criatividade em cima do projeto. Existe um estilo bem particular de direção onde as cutscenes são montagens envolvendo enquadramentos fantásticos usando as fortes linhas geométricas do cenário do jogo, alternando também com cenas surreais que são atreladas ao contexto da narrativa de forma subjetiva. Em alguns instantes chaves, são usados efeitos visuais em tempo real durante o jogo que dão uma sensação de apresentação bastante interessante e única pro projeto.

Nos diálogos existem quadros fechados no rosto de Jesse , onde (inicialmente) ela aparenta conversar com si mesma, e são monólogos que permeiam a linha do mistério, mas que também geram os raros momentos cômicos do texto. Os personagens complementares da história também são em sua grande maioria carismáticos, e atuam como parte da exposição do mundo excêntrico que o FBC trabalha.

Mais uma vez escolheram utilizar de elementos live-action durante o processo narrativo, mas a integração é muito superior aqui, sendo usado como uma ferramenta em conjunto com as facetas tradicionais de um videogame. Temos videos institucionais do FBC gravados em live-action que tocam tanto em momentos específicos da história, e também como parte de colecionáveis opcionais e que no geral são bem divertidos. Também usam técnicas para integrar gravações dentro do cenário criado digitalmente. É tudo feito de forma muito natural e dinâmica, que não tira o foco da experiência.

A história em Control tem um balanço interessante entre objetividade e subjetividade. Nós sabemos a razão de Jesse se encontrar ali, e recebemos contexto de muito coisa de forma didática e direta, principalmente em relação a como alguns elementos ficcionais funcionam nesse mundo, mas vários aspectos do sobrenatural não são necessariamente explicados. Existem muitos indícios e nuances postos em documentos e até na forma com que algumas passagens do roteiro são entregadas, mas alguns destes mistérios não são escancarados com seus significados sendo destrinchados para o jogador. Fica a cargo de quem está participando da experiência tirar algumas conclusões e analisar certos acontecimentos para construir na sua própria cabeça devidos elementos da história. Inclusive sob o meu ponto de vista, existem conexões entre a premissa básica de Control e a história da própria Remedy.

Por mais que no decorrer do jogo aconteçam momentos surpreendentes e extraordinários, não existe nenhuma grande virada narrativa explicita, ou um final forte e incisivo para concluir este arco de Jesse, mas ao chegar ao fim do meu tempo com Control, eu me senti convencido pela trama e investido no presente e futuro deste universo.

VEREDITO

Control é uma amálgama do passado recente da Remedy. Um jogo que não tem medo de ser estranho e de mostrar toda a personalidade que é contida na sua filosofia de design e construção de mundo. Um título com um ciclo de gameplay tão fluido e divertido que mesmo tendo feito tudo que o cenário e a história me possibilitavam, ainda me pego atravessando os corredores da Casa Mais Antiga enfrentando os remanescentes do Ruído, e também na esperança de encontrar algum canto inexplorado. Control é um dos meus favoritos do ano e também meu jogo preferido da Remedy, e eu mal posso esperar para ver aonde Sam Lake e companhia vão levar esta propriedade

8.8/10