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Review: World of Warcraft Classic

Esta análise foi escrita por Rodrigo Cunha, amigo e colaborador do site.

Rodrigo Cunha é sócio fundador do site Cineplayers, um dos maiores sites independentes de cinema do país. Na área de Games, Rodrigo é comentarista de Dota 2, tendo participado de transmissões ao-vivo pelos canais ESPN e SporTV. Você pode ouvir semanalmente Rodrigo como host do Cineplayers Cast, em programas editados por Edu Aurrai.


Este relançamento do World of Warcraft em sua forma original, chamado de Wow Classic, é o mais próximo que o ser humano pode ter chegado de inventar uma máquina do tempo.

Lançado no último dia 27 de agosto, sua proposta é ser exatamente como era em sua versão Vanilla, de 2004, antes de tantas expansões modificarem totalmente o core deste que é o MMORPG de maior sucesso da história. Anunciado na BlizzCon de 2017 depois de muito a Blizzard negar a possibilidade de sua realização, chegou com enorme comoção, intermináveis filas nos servidores e um instantâneo sucesso que fez até mesmo as ações da empresa subirem na bolsa. Mas o que há de tão especial nele?

É um fato que World of Warcraft mudou muito ao longo dos anos – e aqui não nos cabe julgar se foi para melhor ou pior, isso é algo muito pessoal. Só que essa reação em massa de pessoas que há muito tempo haviam abandonado o game tem uma explicação muito óbvia, oriunda de alguns motivos fáceis de identificar: 1. o jogo voltou a ser o que era quando a maioria dessas pessoas jogavam hardcore, anos atrás; 2. houve uma reação em cadeia, onde essas pessoas que não jogavam, mas ainda mantinham contato foram voltando e trazendo outras que não pensavam em voltar mais, quase numa pirâmide do bem; 3. quem não pegou a época ficou curioso para entender o que todo mundo sempre falou dessa tal experiência. É uma ampla gama de jogadores, o que explica as filas, novos servidores liberados às pressas e um monte de gente online novamente; da minha lista de amigos, apenas dois ou três estão jogando a expansão atual.

O Wow Classic resgatou algo que havia perdido: uma experiência social. Antes de se tornar um rush pelo level mais alto, pela primeira kill e pelos equipamentos roxos, houve uma época em que explorar o mundo fazia parte da diversão. A questão aqui não é – apenas – chegar o level máximo, no caso, 60: para conseguir isso, será necessário conversar com as pessoas.

Muitas delas. Fazer grupos. Perguntar, falar em chats, ajudar e ser ajudado. Wow solitário não existia em 2004 e voltou a não existir em 2019; quanto mais pessoas passarem pelo seu caminho, mais agradável será sua jornada. Chegar ao level 60 é apenas o primeiro passo do que WoW tem a oferecer.

Isso porque o jogo era (e agora é novamente) muito mais difícil do que é em sua última versão, principalmente na questão do leveling. São diferenças cruciais, que passam desde a criação do seu personagem, onde cada classe é realmente muito diferente da outra e cada raça possui habilidades únicas que são realmente úteis, até ao modo como deve ser jogado. Desbravar esse mundo exige cuidado porque ele é realmente punitivo. Puxar dois, três monstros do seu level é quase sinônimo de morte, principalmente nos levels mais baixos. É necessário conhecer sua classe, suas limitações, saber quais skills usar na hora correta, controlar mobs antes de começar a matá-los, enfim, ter um real controle da situação ao invés de apenas apertar o menor número de skills para matar o maior número de inimigos.

Tente entender uma coisa: no Wow Classic você vai morrer. Muito. Dark Souls ficaria orgulhoso. Faz parte da experiência, do aprendizado. Só que ao invés de desânimo por encontrar um desafio tão grande a frente, você se sentirá motivado. A cada avanço, sentirá vontade de ir mais longe e as horas vão passar sem nem notar. A barra azul da experiência vai rodar cada vez mais lenta, principalmente porque não há itens que ajudem na velocidade de evolução. O mundo é imenso, então muito tempo será investido andando de um lado para o outro – e como a primeira montaria é só no level 40, acostume-se a isso. Também faz parte da experiência.

São cenários gigantescos, com alguns espaços vazios para dar dimensão, variados, cheios de coisa para fazer e explorar. Ao contrário do jogo atual, onde tudo é muito compacto e as quests são feitas quase sempre no mesmo local onde são dadas, a Azeroth de dois continentes irá te fazer começar explorar bastante cada ambiente, por vezes com quests começando em um local e terminando em outro muito, muito distante. Há falhas de game design: um monstro de quest será de quem o acertar primeiro ao invés de fornecer o item necessário para todos que o matarem. E depois irá levar alguns minutos para sumir seu corpo e mais alguns para reaparecer e outra pessoa ou grupo poder matá-lo novamente. O que fazer enquanto isso? Conversar, pensar, ajeitar as bags – sempre lotadas entre itens inúteis, alguns de quest ocupando um espaço que no Wow de 2019 não ocupam mais, além de utilitários de cada classe; rogues andam com venenos, magos com pedras de portal e teleporte, hunters com flechas, warlocks com soul stones e por aí vai. Isso não existe mais, mas deixa o Wow Classic extremamente personalizável e com cara de puro RPG raiz.

O gerenciamento de equipamento é legal, mas essa burocracia com os mobs de quests, principalmente, não. Os drops de itens também são complicados, muitas vezes demorando desnecessariamente. Exemplo? Você deve recolher dez cabeças de Kobold. Mata vinte para conseguir reunir as dez, sendo que todos eles têm uma. Isso faz demorar mais do que o necessário para se conseguir progredir. Dá para dizer tranquilamente que o Wow Classic era primitivo, filho de sua geração, algo novo, mas também muito consumidor de tempo mais do que qualquer outra coisa.

Voltando ao tamanho do mundo, é impressionante o que a Blizzard construiu em 2004. Fazendo uma analogia simples, o que tínhamos naquela época era o Playstation 2, o primeiro Xbox e o Gamecube da Nintendo. Foi realmente fantástico ver aquele jogo que começou como um RTS se tornando um RPG pesado, com muita coisa para fazer, gerenciar e explorar. Mesmo que se perca muito tempo andando por aquele gigantesco mundo, isso era essencial para se criar uma sensação profunda de exploração, epicidade, grandeza. Valia a pena, transformava a jogatina em jornada. Todo mundo aqui deve lembrar a primeira vez que pisou em Stormwind ou Orgrimmar, por exemplo, porque era necessário vir andando. A primeira vez que entrei em Undercity e vi o trono onde Arthas matou o seu pai foi emocionante. Quando fiz Molten Core, Zul Gurub ou enfrentei Onyxia… Estar ali era algo que realmente se dava valor.

Falando diretamente do PVE, existem diferenças cruciais para a imersão do jogador. Primeiro que não há o buscador de dungeons e raids (que eu gosto MUITO). Segundo que não existe teletransporte para elas*, é necessário cada player da party ou raid andar até o local real onde ela está. E terceiro que não existem diferentes tipos de dificuldade, ou seja, se uma dungeon é difícil, ou você a encara ou ficará sem ver o conteúdo. Lembrando que no Classic as principais raids eram para 40 pessoas, e não 25 e muito menos para 10. Entrar numa guilda é essencial para conseguir explorar todo o jogo, novamente reforçando o lado social da parada, mas até que tem rolado bastante pug nos servidores em que joguei (Whitemane como aliança e Bennediction como Horda). 

Para ser sincero, as dungeons não são tão difíceis em mecânicas; no Wow atual são muito mais complexas nas batalhas, mas fáceis de se localizar / saber o caminho. As do Classic têm duas dificuldades básicas: cuidado nos pulls, o que também é necessário usar as habilidades de controle de cada classe, e a questão de não haver mapa, já que os layouts antigos parecem grandes labirintos e é fácil passar horas dentro de uma mesma dungeon. As raids a mesma coisa, as lutas em si contra chefes têm mecânicas relativamente simples, confrontos comparados até a dungeons normais do Wow atual. A dificuldade, como citado anteriormente, é mais controlar 40 pessoas em sincronia. Lembro de Naxx ter algumas lutas complicadas, mas a Raid ainda está fechada no patch atual do Classic (o jogo ficará disponível em fases).

A Blizzard mudou o sistema PVE com o argumento – válido, até – de que as pessoas não estavam vendo tudo o que tinha no Wow, por isso inseriram diversas versões de uma mesma instância. Entendo também que muitos dos recursos disponíveis hoje foram feitos para ajudar os jogadores a ganhar tempo. O sistema de busca por grupos e raids deixou tudo menos burocrático, mas ela poderia manter o escopo de RPG exigindo que algo fosse feito antes de poder usar o sistema, nem que fosse pelo menos uma vez, como por exemplo encontrar a dungeon no mapa antes de poder usar o teleporte até ela – o famoso atunamento.

Além de andar, também é necessário ler muito. As quests não têm qualquer indicador no mapa, nem de onde se começa e nem de onde se termina, muito menos de onde deve-se fazê-la. É necessário o auxílio de pessoas mais experientes ou visitar uma dezena de sites que explicam o que fazer, ou até mesmo instalar um Add-On que mostre onde cada quest está. O importante é que você se divirta e que sua jornada seja mais agradável. Em 2006, usava-se muito o extinto Thottbot, enquanto hoje há Wikis, Wowhead e até mesmo YouTube para mostrar. Uma curiosidade: o Wowhead permite que uma skin do Thottbot seja usada para os mais nostálgicos como eu.

Isso gera uma proximidade muito grande pelos locais onde se passa: você acaba ficando, querendo ou não, um tempo considerável neles. As músicas – maravilhosas – ficam na cabeça enquanto você faz longas caminhadas para alcançar seus objetivos. Pense em Westfall, se jogou de aliança, ou principalmente em Barrens, no caso da horda. São ruídos de animais, vegetação, folhagens, cachoeiras… É sabido que a Blizzard estava mais avançada nos cenários da aliança do que nos da horda quando o jogo foi produzido, isso explica o detalhamento maior nos cenários e melhor planejamento de evolução pelo lado azul da força do que pelo vermelho. 

Barrens é gigante, com um range muito grande de level, mas ao mesmo tempo isso gerou seu charme, sua mística. Upar em Barrens é passar por muita coisa, mas principalmente pelo seu inigualável chat, onde inúmeras histórias e lendas foram criadas. Isso antes da expansão Cataclysm, né, que remodelou o mundo e deixou seu leveling muito mais linear. Em Barrens, você tinha medo de ir em determinados locais porque eles estavam muito acima do seu nível. Isso criava um vínculo com o mundo, uma relação de respeito que se perdeu depois que Deathwind mudou Azeroth – e olha que nem vou citar a questão de que hoje em dia os mapas se adaptam ao seu level. Você tava lá em Barrens, tranquilão, e de repente entrava sem querer em Dustwallow Marsh ou em Thousand Needles antes da Blizzard alagar o local. Morte certa.

Outro ponto crucial para sobreviver em Azeroth é ter uma ou duas profissões dentre as disponíveis no jogo, pois elas têm forte impacto tanto na economia do servidor quanto na sobrevivência do seu personagem. Sim, você perderá um bom tempo também produzindo in-game para poder ter ouro o suficiente para jogar o PVE, o PVP ou simplesmente para tirar onda de marajá com o ouro ganho.

Falando da parte técnica, os gráficos são fiéis ao que eram em 2004, mas com a possibilidade de deixá-los mais bonitos, principalmente em questão de iluminação, detalhes dos terrenos, texturas, suporte a Widescreen e partes aquáticas. Os modelos dos personagens foram mantidos, pois tiveram diversos tipos de updates ao longo dos anos – hoje em dia Orc pode nem ser corcunda. Como tudo é muito customizável, há uma barra de qualidade gráfica que vai de 1 a 10, onde você pode ajustar absolutamente tudo. O original é muito leve, qualidade 3, mas mesmo na sua capacidade máxima (10), ainda é tranquilo jogar com seus 100 fps. Artisticamente é de tirar o fôlego. Vale lembrar que, diferente de muitos jogos, Wow puxa tanto do processador quanto da placa de vídeo.

A pergunta que fica é: a Blizzard conseguiu atrair parte do seu público de volta, mas o que fará para mantê-lo no jogo? Afinal, o Classic tem prazo de validade. Os jogadores estão mais experientes, há mais informação sobre o jogo na internet, a quantidade de dungeons e raids não foi modificada, então é questão de tempo para que este conteúdo seja finalizado. E ela não pode perder essas assinaturas. Partir para outras expansões? Recriá-las no sistema do Classic? Lançar um novo Wow? O fato é que algo precisará ser feito e muito em breve.

VEREDITO

Olha, devo dizer que depois de brincar no Wow atual, confesso que ele está muito mais divertido do que eu lembrava quando tinha parado e que está muito mais adaptado ao meu tempo disponível hoje, treze anos depois, com família maior e emprego que exige mais. Talvez o plano da Blizzard de segurar antigos jogadores que tenham parado por falta de tempo venha a funcionar.

Jogar o World of Warcraft original depois de tantos anos, porém, foi diferente. Mais do que te entregar uma experiência totalmente hardcore de novo, divertindo pela dificuldade na conquista, é também um retorno a quem você era 15 anos atrás. Pessoas são diferentes, amizades são reerguidas, sensações são repetidas. Jamais serei o mesmo Rodrigo de 20 e poucos anos novamente, mas logar em World of Warcraft e jogá-lo como era naquela época, nem que por alguns instantes, me fez sentir um pouquinho como no passado. E foi bom pra cacete.

10/10