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Com Deathloop, a Arkane inova e refina um estilo de jogo que ela já dominava [REVIEW]


Já falei antes sobre como a Arkane é uma das minhas desenvolvedoras favoritas na indústria. Escrevi mais de 2.500 palavras sobre eles em seu 20º aniversário, falando sobre o quanto os admiro.

Basicamente, eles fazem jogos em primeira pessoa com elementos de ação e furtividade com sistemas profundos e que confiam em seus jogadores para explorá-los em seu próprio ritmo. Seus objetivos são muito claros, mas a diversão está em descobrir como alcançá-los usando seus métodos preferidos.

Deathloop é mais um exemplo disso, mas ao mesmo tempo sendo algo bem diferente e único no meio dos videogames.


Em Deathloop você joga como Colt, um veterano de guerra que acordou em uma praia desta ilha chamada Blackreef. Logo você descobre que ele faz isso todas as manhãs, já que Colt está vivendo em um loop temporal que reinicia no final de cada dia. Um grupo de cientistas e mentes brilhantes chamados de Visionários tem feito experimentos em uma anomalia temporal localizada nesta ilha, e eles conseguiram criar um loop de tempo onde eles revivem o mesmo dia continuamente.

Colt não tem memória de seu passado no início do jogo, e muitas das informações são passadas para ele e para nós por Julliana, uma das Visionárias com quem Colt tem uma rivalidade, onde basicamente eles tentam se matar a cada dia. Também descobrimos que Colt está nessa luta há anos e que deixou algumas notas para seu futuro eu explicando que se ele conseguir matar todos os oito Visionários em um único dia, ele poderá quebrar o ciclo. Só matou dois deles em um loop? amanhã eles estão todos de volta em seus lugares como se nada tivesse acontecido

O dia está estruturado em quatro intervalos de tempo: manhã, meio-dia, tarde e noite e Blackreef está dividido em quatro distritos diferentes. Visitar o mesmo distrito em um horário diferente apresentará o mesmo mapa geral, mas oferecerá situações únicas e fornecerá informações diferentes relacionadas a esse horário do dia. Os Visionários possivelmente também estarão localizados em lugares diferentes em horários diferentes do dia. Portanto, você terá que descobrir como cumprir sua meta final com essas limitações e oportunidades em mente.

Bastante informação né? Bem, porque é. Deathloop é um jogo muito complexo e por causa disso, Arkane construiu as primeiras horas como um tutorial abrangente de como as coisas funcionam neste mundo. É um começo lento, mas compreensivelmente, porque existem muitas mecânicas e particularidades únicas a serem pensadas antes de o jogo largar a mão do jogador. Ele nunca vai te deixar completamente perdido, existe uma sequência de fatores única que te levará ao seu objetivo, mas quão rápido e de que forma você chegará nela, está sob o seu controle.

Uma pergunta comum em torno da estrutura do Deathloop é se ele é um roguelike, um gênero caracterizado por níveis gerados proceduralmente, variáveis ​​de jogabilidade aleatórias e morte permanente, e eu não encaixaria o jogo nestas predicações.

Nada no jogo é gerado de forma procedural ou aleatórios (apenas senhas de portas que são únicas para cada jogador mas não únicas para cada loop), já que cada distrito de Blackreef foi magistralmente criado pela Arkane. São fases no estilo ”sandbox” que carregam o incrível DNA de level design do estúdio, com ambientes construídos com muita verticalidade em mente para abranger diferentes abordagens do jogador. Esses mapas sempre permanecem os mesmos em cada loop, então cada atalho, cada posicionamento de inimigo e localização de armas serão iguais em cada loop, então você saberá exatamente onde encontrar problemas ou coletar recursos se precisar deles.

E você também pode manter vários de seus equipamentos e habilidades entre os loops. No início do jogo, você adquirirá a capacidade de coletar Residuum de objetos e Visionários falecidos, basicamente uma moeda que permite infundir armas, habilidades especiais e aprimoramentos de armas para que estes se tornem eternos e disponíveis para todos os ciclos.

Mesmo a morte também não é um castigo permanente. Começando pelo fato de que para reiniciar um loop diário, Colt tem que morrer três vezes (ele tem uma habilidade intrínseca que permite que ele renasça duas vezes em cada uma de suas viagens distritais), mas também, muitas vezes morrer não significa reiniciar completamente todo o seu progresso. Em Deathloop, a principal coisa que você deseja obter de suas sessões de jogo é o conhecimento. Saber para onde ir, como desencadear determinadas situações, onde os Visionários passam o dia e coisas do tipo, são a chave para alcançar seu objetivo. Você pode ter morrido antes de matar um inimigo principal, mas obteve a informação que queria e não seria capaz de terminar o jogo neste momento de qualquer forma, então nenhum grande dano foi causado.

Na maioria dos jogos, documentos e registros de áudio estão lá talvez como parte cenário ou para expandir o lore do jogo. Aqui, como a informação é a marca do progresso, você deve sempre verificar tudo no cenário em busca de pistas. Nem todo colecionável será vital, mas às vezes um único pedaço de papel em cima de uma mesa será a chave para seguir em frente com o jogo. E, felizmente, o menu está estruturado de forma a lembrar e conectar todas as pistas que você conseguir, fazendo um breve resumo do documento que você obteve e apontando para a próxima etapa provável com base no texto presente nele, para que você não precise de um caderno para anotar tudo sozinho.

Matar um Visionário concederá a você habilidades especiais chamadas de Placas. Eles dão a Colt poderes sobrenaturais que são originalmente usados ​​por seus inimigos contra você. Já que você irá matá-los várias vezes para aprender tudo sobre seu comportamento antes de tentar encerrar o loop, uma morte repetida concederá atualizações para as placas que tornam essas habilidades ainda mais poderosas. Esses são basicamente poderes importados da série Dishonored, como teletransporte curto, invisibilidade, telecinese e coisas semelhantes. E eles também podem ser infundidos, para que você possa mantê-los entre os loops.

Sempre que você está prestes a iniciar um dos quatro slots do dia, você pode personalizar quais armas e poderes deseja usar, podendo carregar duas placas e três armas diferentes com você. Isso contribui para que o jogador siga experimentando e se adaptando, sempre pensando em qual objetivo você deseja alcançar naquele ponto.

Nem toda vez que você entrar em um distrito, você acabará matando um Visionário porém. Às vezes você só quer entrar em um lugar que agora tem uma senha de acesso, adquirir novas informações ou bagunçar algo que poderá causar uma mudança no comportamento de um dos os NPCs, abrindo novas oportunidades em um período subsequente do dia.

Muitas vezes, eu só queria fazer alguma coisinha e seguir em frente com o dia. Você pode simplesmente aparecer em algum lugar, obter seu pequeno pedaço de informação e, em seguida, fugir do conflito em direção a uma saída de nível. Essas grandes fases no estilo sandbox permitem todos os tipos de estratégia, dependendo do seu objetivo em qualquer ponto.

Uma coisa importante a notar é que você não tem um limite de relógio em nenhum momento, você pode passar 1 minuto ou 100 horas em um distrito por horário se quiser, eles só terminarão quando você decidir mover o período do dia e sair de uma área por um dos túneis subterrâneos que conectam a ilha.

A única coisa que pode impedir você de sair de um nível é Jullianna. Às vezes, ela pode aparecer durante uma de suas sessões, fechando seu acesso aos túneis e tentando caçá-lo e reiniciar seu loop. Daí, você terá que reabrir as portas de saída, hackeando uma antena específica no distrito em que está, e você poderá ou não matá-la no processo. Matá-la concederá a você uma Placa ou Atualização de Placa aleatória e uma grande quantidade de Residuum e modificadores de jogabilidade. Sempre que uma Julianna invade seu jogo, o nível de tensão naquela sessão aumenta.

E uma das coisas mais legais sobre isso: Julliana pode ser uma IA ou controlada por outro jogador. Deathloop tem um modo multiplayer onde os jogadores podem ser Julliana invadindo a sessão de outros jogando como Colt. Você pode selecionar se deseja apenas IA, apenas jogadores em sua lista de amigos ou aberto para qualquer pessoa invadir seu jogo, e jogando como Julliana você pode fazer o mesmo, invadindo apenas seus amigos ou um Colt aleatório. É um modo opcional divertido que pode trazer os jogadores de volta sempre que eles quiserem experienciar o gameplay de Deathloop.

Acho que a comparação mais próxima que temos em termos de estrutura são os títulos Hitman modernos, uma trilogia de jogos que também tem diversos níveis de sandbox com várias missões e oportunidades em cada um deles. Mas a complexidade do Deathloop é maior por causa das camadas relacionadas aos slots de tempo e todo o aspecto de resolução de um grande mistério envolvendo diversas locações em cada uma destas fases.

Então, aqui é onde o jogo foi extremamente divertido e atraente para mim. Adorei percorrer cada distrito em cada horário diferente, aprendendo a rotina e os locais das pessoas junto com o próprio guia de dicas do jogo, resolvendo os quebra-cabeças, entendendo a história deste lugar, reunindo informações e acessando novos ambientes que eu poderia usar a meu favor no ciclos futuros, eventualmente dominando esses mapas até o ponto em que quando finalmente eu estava pronto para terminar o jogo, percorri um ciclo inteiro, matando todos os meus alvos em menos de uma hora.

Não acho que haja um nível ou missão tão icônica aqui como a Jindosh Mansion ou Crack in the Slabe em Dishonored 2 ou Lady Boyle’s Last Party no Dishonored original, mas isso é porque eles são construídos de maneiras diferentes em alguns aspectos. Em Dishonored, você começa em um caminho para o local de nível principal, geralmente ruas com um monte de rotas diferentes no nível do solo ou no topo de edifícios, e contendo alguns pequenos objetivos secundários. E então, você alcança a parte principal do nível, geralmente edifícios enormes com muitos quartos e passagens dentro deles. Em Deathloop, cada fase é praticamente um bairro inteiro, e você não tem uma única estrutura principal, mas um monte de construções variando em tamanhos e importância, e você terá que passar por todos eles em sua jornada de compreensão e quebra do loop. Ao invés de valorizar e reconhecer uma grande estrutura em cada fase, nos familiarizamos com toda aquela região.

Claro, grandes níveis não tornariam o jogo divertido por si só, mas para nossa sorte, este é o jogo com os melhores controles que a Arkane já fez. O stealth está praticamente em linha com a grade de ótimas mecânicas que Dishonored já oferece, mas o combate de ação foi muito melhorado. Esse é bem mais um shooter de primeira pessoa, e o jogo se sustenta se o jogador quiser ir mais pra esse lado, já que essas mecânicas são muito mais refinadas e fáceis de usar. Combinando as placas que são voltadas para o ataque com armas poderosas, este se torna um jogo de ação intenso e emocionante. Você ainda pode ser facilmente abatido se muitos inimigos estiverem na tela, então a Arkane sempre irá pressioná-lo a ser o personagem mais inteligente na sala para ter sucesso, mesmo quando estiver indo para o combate ao invés de furtividade. Seu privilégio é reviver esse mesmo dia e se lembrar de tudo, então você tem que usar essa vantagem o tempo todo.

Eu inicialmente senti falta de uma ”mecânica” que sempre enxerguei como um algo vital nos jogo da Arkane antes, que é ter um salvamento manual. Grande parte da experimentação inicial que fiz com os sistemas e a mecânica em Dishonored e Prey foi protegida pelo fato de que eu poderia salvar o jogo antes de testar uma hipótese e, se falhasse miseravelmente, poderia tentar novamente ali mesmo. Aqui, o jogo tem apenas um autosave, que só será usado entre os intervalos de tempo, por isso só vai guardar o seu progresso quando sair ou estiver prestes a entrar num distrito. No início, esse medo de perder o progresso em um intervalo de tempo me deixou menos encorajado a experimentar, mas depois, quando eu entendi completamente a usabilidade do loop, percebi que o jogo havia lidado com isso confiando em sua própria natureza. Se você falhar em um cenário de jogo, bem, você perdeu um pouco do seu tempo na vida real, mas no jogo, felizmente para você, amanhã é o mesmo dia novamente, então você pode voltar e tentar em outra hora.

Uma outra coisa que senti falta por um tempo foi de um mapa em tempo real. Demora pra você decorar o layout dessas localidades, e apesar de existir como visualizar um mapa dos distritos, não ajudam tanto. Você vai ter que realmente se familiarizar com estas ruas e construções, e eventualmente após jogar por volta de vinte horas, foi o que aconteceu comigo.

Este jogo foi feito pela equipe da Arkane em Lyon, França, responsável pelo desenvolvimento do Dishonored 2 e também pelo co-desenvolvimento do Dishonored original. A direção de arte aqui é muito diferente, usando muito mais cores para construir seu mundo, e várias construções misturam estilos mais antigos com arquitetura modernista (e é legal que existe um contexto do porque a ilha é assim). Um dos distritos é basicamente um bairro com várias instalações de arte, que acredito que funcionam muito bem para atrair a atenção e instigam o jogador a explorar. A Arkane ainda não estão fazendo os jogos mais lindos na indústria, mas Deathloop é muito mais impressionante graficamente do que seus produtos mais antigos, e eu fiquei especificamente surpreso ao ver como esse jogo apresenta um excelente ”draw distance”, um luxo de fazer um jogo apenas para a próxima geração e PCs, eu imagino.

E se o DNA da série Dishonored está lá em relação a alguns poderes e ao level design, o tom do mundo e a história são completamente diferentes. Para começar, este jogo se afasta das vibrações trágicas e sombrias de Dishonored para buscar um tom mais animado e cômico. O roteiro é mais engraçado do que qualquer coisa dessa vez, e se seus jogos anteriores até tinham presenças humorísticas também, estes eram casos isolados e com posturas sombrias de comédia. Desta vez, todo o tom do jogo é mais leve, o que combina muito bem com as oportunidades mais voltadas para a ação no ciclo de jogo também. Acho que o destaque fica para as interações de Colt e Julliana pelo rádio, falando besteira um do outro, mas também desenvolvendo um relacionamento próximo e muito interessante toda vez que se comunicam. Outro destaque são as apresentações da excentricidade de cada um dos Visionários, personagens caricatos e bem distintos entre si.

Fiquei bastante satisfeito com as reviravoltas que eles colocaram na narrativa, sendo essa talvez a linha de história mais forte em um jogo da Arkane até agora. Com o tempo, aprendemos porque Cole está ali e todas as suas conexões com a história de Blackreef e essa é a principal narrativa contada em Deathloop. O estúdio sempre fez um excelente trabalho criando mundos em seus jogos antes, e aqui esta ficção científica inspirada na estética dos anos 1960 é outro exemplo primoroso. Eles se esforçaram muito para construir o passado e contextualizar os lugares que exploramos para dar-lhes significado e peso.

Mas devo dizer que, em mais uma ocasião, um jogo Arkane termina com uma espécie de final abrupto e anticlimático. Talvez seja um subproduto de dar tanto controle ao jogador para estabelecer seu próprio ritmo no jogo, que fica mais difícil construir um segmento final que seja bombástico e satisfaça a todos.


VEREDITO

No fim das contas, talvez o maior elogio que eu possa dar a Deathloop, é que é um jogo de grande orçamento que tentou algo muito diferente e novo, e que obteve sucesso nisso. Não há nada como ele no mercado, e esse estúdio já estava meio que sozinho na onda do ”immersive sim”. Mas este jogo é ainda diferente disso, é estruturado de uma forma onde você não só é incentivado a repetir partes significativas de um jogo single-player, algo já incomum, mas um onde fazer isso é realmente o que o jogo é. A Arkane está fazendo você cair na graça do seu level design e mecânicas imersivas, através do ato de compreendê-los ao experiencia-los várias vezes. E a narrativa mistériosa, com sua boa dose de bom humor, foi a forma perfeita de convencer o jogador a seguir jogando. Deathloop é com certeza um dos jogos mais interessantes que joguei nos últimos anos.

NOTA: 9/10


Essa analise foi baseada em uma cópia de PlayStation 5 oferecida pela publisher do jogo. Deathloop está disponível para PS5 e PC