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Dota: Dragon’s Blood – o que achamos?

Nessa nova moda da Netflix adaptar absolutamente tudo de games para outros formatos de mídia, Dota é sua nova aposta, uma provável galinha dos ovos de ouro com Dota Dragon’s Blood. Olhando para os números do game da Valve, dá para entender o porquê da escolha: milhões de jogadores por mês e cifras assustadoras em seus campeonatos, com o The International 10 batendo mais de 40 milhões de dólares em premiação.

Só que a escolha traz também um grande desafio: como adaptar um MOBA, estilo de jogo teoricamente focado apenas na ação, em uma série? A resposta é até mais simples do que parece.

Antes de tudo, a pergunta que praticamente todo mundo irá fazer: dá para assistir ao anime coreano sem nunca ter encostado em Dota? A resposta é tranquilamente sim. Para o bem e para o mal.

Para o bem porque é uma adaptação que busca ambientar todo mundo do que está acontecendo – mesmo jogadores experientes de Dota podem nunca ter encostado na sua lore -, e para o mal porque não consegue apresentar o game para novas audiências – ao final dos oito episódios, quem é fã vai continuar gostando, mas quem não é possivelmente não terá vontade de ir além e instalar o jogo.

Chamo de anime coreano porque a Netflix adotou esse estilo em suas animações próprias, segundo passos de Castlevania e Dragon’s Dogma, mas que é muito diferente do que estamos acostumados a assistir vindo do Japão. O estúdio é o sul-coreano MIR, o mesmo por trás de A Lenda de Korra, então o estilo dos traços e da movimentação você já deve estar familiarizado se consumiu outros produtos da empresa. Não considero nem um anime propriamente dito porque é muito diferente: é uma fantasia menos exagerada, sem espaço para contemplação – a ação é quase ininterrupta, sempre acontecendo algo em tela que leva a história para a frente. É quase a mesma proporção de diferença entre WRPGs e JRPGs. Ambos são RPGs, mas diferentes em estilo.

O primeiro passo para a adaptação foi pegar, do pool de mais de 120 heróis, um para ser o protagonista. O escolhido foi o Dragon Knight, apelido dado ao caçador de dragões saradão Davion. Opção interessante, uma vez que o herói nunca foi um dos mais populares entre os jogadores – e imagino o tanto de gente que não está jogando com ele agora apenas por causa da série -, mas que tem uma lore que casa com uma proposta de série, já que o personagem faz um pacto involuntário com o dragão Slyrak; um dragão que nunca existiu dentro do jogo, apenas nas palavras da lore criado em sua descrição.

É assim também com uma outra personagem que vemos pela primeira vez: Selemene, a Deusa da Lua. Ela é citada em duas lores, Mirana, sua princesa, e Luna, sua capitã sanguinária; não coincidência que sejam também duas heroínas principais da animação e jogáveis no Dota. A Deusa acaba sendo um link também com o mago Invoker, que aqui tem conflitos com ela por causa de uma filha perdida – algo novo na série e que acabou ficando bacana.

Mais dois personagens conhecidos dão as caras: Terrorblade, o demônio que conseguiu ir pro inferno do inferno porque nem os outros demônios o aguentavam, e Oracle, um herói que brinca com o destino e que aparece de maneira muito rápida no começo do primeiro episódio. Além deles, três personagens inéditos também roubam a cena: Fymryn, a elfa que causou toda a confusão ao surrupiar as lótus; Kaden, o mais forte caçador de dragões que existe; e Marci, a fiel servente de Mirana, exímia lutadora e muda. Todos podem ser possíveis novos heróis em um futuro não muito distante.

E aí começam os problemas de Dragon’s Blood. Na fantasia, é normal que tenhamos diversos arcos narrativos andando em paralelo, mas eles precisam chegar a um interesse em comum, e isso não acontece por aqui. A história do conflito que Mirana, Luna e Invoker estão participando acabam engolindo a história de Davion, o DK, que é muito mais pessoal – e, sinceramente, muito mais interessante, todas deveriam ser assim. Essa Guerra Civil entre os elfos acaba tomando uma importância muito grande no desenrolar dos episódios. Tenta discutir preconceito, religião e família, mas acaba arranhando isso de maneira genérica e com lutas superficiais (pro final). Diferente da trama do Invoker, que é interessante e não tem absolutamente nada a ver com a do DK. Aliás, quem dá voz ao personagem é ninguém menos que Troy Baker.

Os primeiros episódios são muito bons porque conseguem manter uma consistência narrativa. A apresentação tanto do DK quanto da Mirana são bem realizadas, mas depois as coisas começam a perder importância. Tenta ser uma animação adulta, mas isso se faz discutindo temas adultos, e não mostrando gore ou um foursome. O interessante desses personagens é conhecê-los, entender suas motivações para que suas lutas ganhem importância. Ao investir na apresentação de Davion, era esperado que sua luta fosse desenvolvida, não deixada de lado para outras temporadas. Uma coisa é você criar cliffhangers para deixar o público curioso com o que vem pela frente na série, outra é você abrir um monte de pontas e não fechar nenhuma. O que ficou no final da série? Qual ciclo se fechou? Por que as lótus eram importantes? Qual o papel do DK naquele conflito? A Deusa era uma farsa? Todas essas respostas ficaram para depois.

Ainda assim, algumas passagens são emblemáticas, como a luta da Mirana contra o descontrolado Slyrak, ou o debate de Davion no enclave dos Dragões. A série também esboça abraçar o fan service, como colocar o Mercador como um personagem ou usar de maneira orgânica itens do jogo como o TP ou a Gema, mas peca ao não entregar mais disso aos fãs. Tirando os nomes, falta identificação com aquilo que o jogador mais conhece da franquia: suas habilidades que os deixam únicos. Mirana não dá leap nem flecha (mas usa Starfall). O DK se transforma em dragão apenas quando é conveniente. Invoker não usa nenhuma de suas habilidades e Luna usa seu ultimate uma vez de maneira muito discreta. Por que você acha que Terrorblade tem tantas habilidades em cima de imagens? Isso poderia ter sido melhor trabalhado. Fica muito no nome, apenas.

Dota Dragon’s Blood é uma animação que certamente vai evoluir muito, até pelo excesso de opções de heróis que tem para isso. Mas, por enquanto, essa primeira temporada está mais para uma série genérica de fantasia com bons momentos do que para inserir o Dota na cultura popular de quem não joga. Com 5.000 horas ou nunca tendo encostado no Dota na vida, para a série não faz diferença. Aquilo não é o jogo. É um primeiro passo.