Eu nunca joguei de verdade um jogo Hitman na sexta e sétima geração de videogames. Digo de verdade, porque eu tinha uma cópia pirata de Hitman 2 no PS2, mas não me lembro de ter dedicado muito tempo a ela, e acho que só joguei a primeira missão de Absolution no PS3 quando foi oferecido na PS + ou algo assim. Minha experiência vinha principalmente de ouvir as pessoas falarem sobre. Mas acho que nunca prestei muita atenção, pois achei que eram jogos de espionagem linear, algo com pegada cinematográfica, como Metal Gear ou Splinter Cell.
Não tenho certeza se os clássicos são muito parecidos com a ”Assassination Trilogy” que começou em 2016, mas, parece que eu tinha uma percepção muito errada sobre essa franquia. Esses jogos apresentam níveis de sandbox incríveis, cheios de NPCs, em vez de fazer um mundo aberto ou um grande número de missões e níveis lineares, o foco está na profundidade. Cada um dos três jogos base carrega apenas seis níveis, mas eles são preenchidos com tantas possibilidades devido à quantidade e complexidade de seus sistemas, o design de níveis interconectados e extensos, opções massivas para ações interativas, diferentes comportamentos de inimigos, alto número de objetos utilizáveis e muito mais detalhes voltados para jogabilidade.
O desafio do jogo envolve estressar todos esses fatores a fim de encontrar a melhor maneira de atingir seus objetivos, e esses geralmente envolvem matar um alvo e às vezes também obter algum tipo de documento confidencial. Para fazer isso, você se esconde, distrai NPC’s, os incapacita e até usa suas roupas para fingir ser outra pessoa. Você pode matar alvos com todos os tipos de armas, improvisadas ou não, ou até mesmo manipular o ambiente e o comportamento das pessoas para causar acidentes que eliminem seus alvos. Você sempre pode simplesmente atirar neles também, mas Hitman não é um jogo de ação por assim dizer, então é melhor você ter uma boa rota de fuga pronta porque o Agente 47 morre muito rapidamente.
A estrutura é praticamente a mesma nos três jogos. Para apresentar estes sandboxes ao jogador, a IO Interactive constrói uma campanha explicando com cutscenes as motivações de cada missão, basicamente o porque da ICA, a empresa que manda em 47, quer que você mate aquele vilão ou vilã. Portanto, a primeira vez que você passa por esses níveis, a sensação pode ser de uma experiência levemente guiada. Se você estiver jogando no normal (que aqui eles chamam de Profissional), o jogo oferecerá orientação sobre o que chama de ” histórias de missão ”. Eventos especiais que podem ocorrer no nível que o leva a interagir com seus alvos. Se você optar por seguir um desses, geralmente o apontará primeiro para uma conversa ou documento que lhe apresentará uma janela de oportunidade e, em seguida, instruções de onde ir e de forma geral o que fazer, mas você ainda terá que descobrir como executar algumas dessas tarefas sozinho, de modo que a natureza livre dessas fases, as já mencionadas caixas de areia, ainda esteja presente. Estas situações também não garantem que você matará seu alvo ao concluir uma história de missão, quando e o que fazer para que isso aconteça durante ou depois de uma história de missão, depende de você e do seu entendimento do momento e das mecânicas.
Você também tem a liberdade de ignorar estas possibilidades e tentar descobrir tudo por conta própria, mas não é como eu gosto de jogar essas fases pela primeira vez. Eu geralmente sigo uma história de missão porque são situações únicas construídas em torno do tema do nível, que apresentam bem as particularidades daquele espaço, e geralmente são muito divertidas de acompanhar também.
O tempo mais divertido com os jogos Hitman vem depois de terminar esta campanha porém. Essa é basicamente a introdução aos espaços que você pode gastar dezenas e dezenas de horas se quiser, porque o jogo é construído para ser rejogado várias vezes, não apenas para melhorar o desempenho nos alvos originais ou para jogar todas as histórias de missão, mas também porque oferece muitos outros cenários para jogar nesses níveis.
Temos escalações, que são objetivos diferentes preenchidos com modificadores que ficam cada vez mais difíceis de completar, desafios variados, um sistema de criação de contratos onde podemos compartilhar os nossos e baixar os construídos pela comunidade de jogadores e também o que ela chama de ”Elusive Targets”, missões especiais disponíveis apenas uma vez por um curto período de tempo para dar tanto um senso de urgência e importância para tais missões. A IO durante os anos também lançou DLC’s com novos mapas e situações e missões completamente novas usando mapas existentes também. Passei algumas centenas de horas jogando os três jogos até o momento (e vou jogar muito mais do III ainda) exatamente por causa desta variedade de desafios e abordagens.
A diversão em Hitman está em explorar. Explorando os enormes ambientes, percorrendo todas as ruas, acessando todos os cômodos em todos os edifícios disponíveis, conhecendo a melhor rota a tomar quando desafiado de diferentes maneiras. Explorar as opções que você tem também, como matar alguém, com que disfarce, com as próprias mãos ou por acidente, se sim, qual das tantas formas disponíveis é a melhor? Este é um jogo tão robusto, e que acolhe a experimentação do jogador, que ter a possibilidade de salvar e carregar um save a qualquer momento (na dificuldade normal pelo menos) não é apenas útil, é divertido fazê-lo. Tentar algo e fracassar de maneira hilária é divertido, e tentar algo e realizá-lo é satisfatório.
Outro aspecto que se tornou conhecido nesses jogos é o bom humor. IO Interactive cria algumas situações absurdas a serem exploradas onde o nível de ironia presente nelas é evidente e engraçado, e as falas que o Agent 47 às vezes dá para NPCs enquanto personifica outro personagem são hilárias. E, claro, arremessar itens do dia-a-dia como um muffin, uma frigideira, um saco de açúcar ou o que quer que esteja ao alcance do jogador diretamente na cara de um NPC é sempre histérico.
É aí que eu quero começar a falar especificamente sobre Hitman 3. Fiquei surpreso ao ver um foco muito maior em fazer uma história cinematográfica e um pouco mais séria aqui. Sempre existiu uma narrativa e personagens com quem o protagonista se comunica, mas há muito mais ênfase no aspecto da história no jogo, desenvolvendo o Agente 47 além de sua tela em branco usual e dando a ele relacionamentos mais significativos com outros personagens. Além disso, eles adicionam algumas cenas de set-piece e sequências cinematográficas que parecem retiradas diretamente de um filme da franquia Missão Impossível. Não estou dizendo que Hitman se tornou uma maravilha na narrativa ou que perdeu os toques de comédia no seu subtexto, porque isso não aconteceu, é tudo ainda muito básico e mais referencial do que qualquer outra coisa, mas seu foco em desenvolver melhor uma história foi surpreendente e não atrapalhou também.
Em termos de adição de jogabilidade, acho que a maior novidade é que o 47 agora carrega um celular que possui uma câmera alimentada por alguma tecnologia de espião que pode analisar e até hackear alguns dispositivos nos ambientes, dando a você novas maneiras de obter informações e interagir com determinados objetos. Ah, e também tirar selfies no espelho, é claro.
Com relação aos locais e missões, de um modo geral eles são muito comparáveis as presentes nos dois primeiros jogos. Você tem suas mansões enormes, bairros lotados de grandes metrópoles com vários prédios acessíveis, eventos públicos com centenas de civis, temos exemplos de todos esses nos três jogos, mas em Hitman III a maioria deles vem com reviravoltas bem legais.
Um caso é de uma missão claramente baseada em Entre Facas e Segredos, o thriller de investigação de Ryan Johnson. Nele, uma das maneiras do Agente 47 atingir seus objetivos é investigar um assassinato ocorrido em uma mansão interiorana de uma bilionária família Britânica. Assumindo o papel do investigador, podemos solucionar o caso ou até culpar alguém inocente, com o objetivo de termos uma reunião com o nosso alvo. Em uma tarefa posterior, uma das histórias de missão leva você a trabalhar ao lado de um parceiro NPC que o ajuda a criar distrações no ambiente para que você possa matar um alvo quando ninguém estiver olhando. Gostei muito de praticamente todos os mapas, e essas reviravoltas e experimentos com a fórmula da Trilogia de Assassinato foram muito bem vidas para dar um certo frescor a experiência…exceto para a sexta e última missão. É provavelmente o pior da série, e embora claramente seja algo criado para dar ao Agente 47 uma conclusão na sua história nesta geração, a sensação é que parece um sexto mapa desperdiçado e que este jogo na verdade vem com menos missões do que os outros de certa forma.
Este sentimento de conclusão não está presente apenas neste arco, a sensação é de um adeus da IO a esta série, pelo menos por um tempo. Eles já anunciaram um jogo de James Bond a ser publicado por eles mesmo, e têm um acordo com a Warner Bros Interactive para uma nova IP, então estarão ocupados por um bom tempo até que possam retornar a Hitman. E tudo bem, a quantidade de trabalho que eles fizeram e o conteúdo que lançaram para esses jogos é impressionante, e uma das melhores partes é poder acessar todo esse conteúdo dentro de Hitman III, já que podemos importar progresso e conteúdos dos dois outros jogos para ele. Como eu disse, coloquei algumas centenas de horas nesses jogos e provavelmente poderia colocar mais algumas centenas ainda em desafios que ainda não tentei, tanto pensando na sua variedade e profundidade quanto na diversão.
Foi também um processo de descoberta de novos valores em jogos pra mim. Hoje valorizo muito mais jogos com propostas de liberdade e experimentação no gameplay, e esse é um dos jogos responsáveis por essa percepção.
VEREDITO
Jogar estes três jogos com certeza foi uma das melhores e mais divertidas experiências da geração. Não existe nada com proposta e escopo similar a eles, e ao passar da trilogia o foco sempre foi em refinar a experiência, não tentar transforma-la em algo diferente em cada iteração (por mais que tenham ocorridos experimentos falhos como o multiplayer e missões de sniper no 2), e até por isso parece que são apenas partes de um jogo só. Isso que foi entregue em Hitman III, sem muitas novidades de modos e mecânicas, mas reforçando o que ela tem de melhor, com level design impecável e criatividade para construir missões memoráveis, dessa vez adicionando sutis modificadores no gameplay e na narrativa para transformar cada uma delas em algo mais único.
Este texto foi baseado na versão de PlayStation 4 de Hitman III. Um código para análise foi fornecido pela publisher do jogo.