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Um mês com The Last of Us Part II

Passei o último mês jogando The Last of Us Part II. No total joguei mais de 50 horas, incluindo dois playthroughs completos além de mais alguns capítulos e cenários de combate adicionais.


Quando inicialmente descrevendo a jornada de The Last of Us, Neil Druckmann disse que a primeira parte dessa história era sobre amor, e realmente o desfecho demonstra o quão longe alguém vai por amor. Já em relação a segunda parte desta saga, Druckmann a descreveu como uma história movida por ódio. Acontece que ele não estava sendo completamente honesto nessa descrição (algo que ele mesmo confessou). Ambos os jogos são sobre amor, e como as consequências de atos feitos por amor incondicional, podem levar a atos de ódio, numa espiral quase que infinita de violência entre as partes envolvidas.

E é parte II e não apenas 2 por um bom motivo. Esta não é exatamente uma ”aventura” completamente nova para esses personagens, mas praticamente uma evolução de temas, relacionamentos e personagens vindo diretamente do primeiro jogo. Claro, Uncharted 2 também tinha tudo isso, mas no fundo era Nathan Drake procurando um tesouro novo, encontrando uma nova cidade escondida e derrotando um monte de bandidos completamente novos. A parte II mostra que a Naughty Dog está muito mais interessada nesses personagens do que no mundo necessariamente.

O pano de fundo de uma pandemia apocalíptica, que mudou completamente a realidade daquele mundo, realmente importa muito pouco para essa continuação.

Mas antes de falar sobre onde a Naughty Dog levou essa narrativa e como ela evoluiu os temas originais do jogo (que precisarei abordar com spoilers em algum momento), quero discutir como a Parte II levou a jogabilidade de ação furtiva de sobrevivência para outro nível.

E não apenas mecanicamente, a Parte II tem um design de nível e atenção aos detalhes que a tornam uma experiência muito mais emocionante, imersiva, assustadora e…prazerosa?

Esta é a geração em que os jogos Naughty Dog passaram de muito lineares, para serem mais amplos, ou o famoso ”wide-linear”, e de muito scriptados para mais dinâmicos. Acho que é por isso que ainda amo os jogos que eles estão fazendo, apesar do meu gosto ter mudado um pouco nos últimos anos.

Então, construindo em cima do layout do The Last of Us original, a Parte II tem níveis muito maiores, mecânicas de ação e furtividade refinadas, movimentos mais fluidos e melhor IA.

Apenas mover esses personagens é ótimo. Os controles são altamente responsivos e algumas adições de movimentos mais rápidos como a esquiva e até um botão de salto também fazem deste um jogo de ação muito competente, algo que não eu diria do primeiro.

Eu ainda escolhi ficar mais furtivo na minha primeira jogada, mas no New Game +, com um monte de habilidades e aprimoramentos de armas, eu me diverti muito fazendo corridas de ação bem-sucedidas e estilosas.

Tenho certeza de que você já viu gifs de SunhiLegend e Much118 rodando no twitter, e enquanto esses magos dos gifs estão em outro nível, eu também consegui algumas sequências épicas e emocionantes em que misturei todo tipo de ferramentas para matar meus inimigos.

E uma ótima coisa são os tempos de carregamento, se você morrer ou optar por resetar um checkpoint para tentar outra abordagem (o que eu fiz muito), você voltará à ação rapidamente.

As áreas maiores significam que temos maior liberdade para abordar encontros, com mais ferramentas e opções para matar todos os inimigos, mas também mais do que no primeiro jogo, você pode atravessar áreas sem matar ninguém, usando da furtividade.

Ou qualquer meio-termo entre eles, você pode matar alguém com um explosivo, por exemplo, e causar uma comoção, fazendo com que os inimigos sejam alertados e obrigados a investigar esse barulho e, em seguida, usar essa distração para fugir furtivamente na direção em que os inimigos estavam antes.

E, surpreendentemente, fugir também é uma opção. Não é apenas uma possibilidade fugir dos inimigos para voltar a ficar oculto se você for encontrado, mas em um encontro tenso, você pode tentar correr para a próxima área que progride na história, dependendo do que você precisa atravessar e quantos inimigos restarem, você pode se safar com apenas algumas balas. É arriscado, mas é uma opção que parece realista em um ambiente como este, onde a sobrevivência a todo custo é o objetivo final.

Para sobreviver, não preciso matar todos, posso me esconder e fugir, o que for o caminho mais inteligente e menos perigoso, e provavelmente o melhor, e o jogo me permite decidir isso sozinho a maior parte do tempo nesses níveis dinâmicos.

É uma das razões pelas quais essas áreas quase não parecem níveis de videogame, com uma série de desafios de jogabilidade claros, mas lugares reais que você precisa atravessar, superando qualquer perigo que possa surgir. No primeiro jogo, fica extremamente claro quando você esta entrando em uma ” arena de batalha ”, na Parte II o design de níveis é mais naturalmente misturado aos designs mundanos.

No fim das contas, o objetivo é fazer com que os jogadores entendam as regras e apliquem sua compreensão das soluções com as ferramentas fornecidas, mas aqui a atenção deles aos detalhes e à atmosfera funciona para torná-la algo extremamente imersivo e mais realista. E é isso que o jogo está tentando fazer fundamentalmente o tempo todo.

Algo intrínseco ao mundo de The Last of Us é a exploração. Esse sentimento viciante de explorar todo o ambiente e encontrar todos os itens e colecionáveis ​​disponíveis é ampliado aqui. O jogo também tem pequenas histórias contadas através de colecionáveis ​​e narrativas ambientais, algo que também fez parte do primeiro jogo, mas não na quantidade e qualidade presente aqui

Os níveis maiores incluem um enorme cenário de mundo aberto, seguindo áreas semelhantes em Uncharted 4 e The Lost Legacy, que eu acho que aqui representou o melhor da franquia The Last of Us: boa interação entre os personagens, set pieces mais íntimos, combate e exploração dinâmica gameplay

Uma coisa divertida ligada à exploração, é que às vezes você se depara com uma sala trancada. Mas essa sala tem uma janela, então você pode simplesmente quebrá-la com um ataque corpo a corpo ou jogando um tijolo nela e passar por ela. Não é algo super importante no jogo, mas apenas uma demonstração de algo projetado para parecer mais real. Se você enfrentasse o mesmo problema em um mundo pós-apocalíptico real, faria isso também, e enquanto alguns jogos, especialmente os semelhantes a este, ignorariam essa opção, aqui é tratada como uma parte natural do mundo.

Um novo toque que eles implementaram, que é impactante a princípio, é fazer os inimigos gritarem os nomes de seus amigos e até de cães quando você os mata. Quando você ouve alguém gritar ” Oh não, eles mataram o Mike”, isso dá mais peso à morte, mas honestamente, já que os jogos são um meio geralmente longo, e a Parte II fica entre 20 a 30 horas, esse foi um detalhe que perdeu efeito bem rápido pra mim.

Uma coisa que nunca perdeu efeito em mim porém, mesmo em uma segunda jogada, é o realismo do impacto dos seus ataques aos inimigos. A maneira como o sangue espirra nas paredes e no chão ao lado de pedaços de corpos que desprenderam dos inimigos atingidos de forma visceral, incluindo desmembramento realista que pode alterar a forma como o inimigo se comporta, é real ao ponto de se tornar um pouco perturbador.

A inteligência artificial também foi aprimorada neste jogo, mas eu tenho que dizer que provavelmente você ainda vai ver comportamentos questionáveis as vezes, tanto dos inimigos quanto de seus companheiros. Muito menos aparente e rude que o primeiro jogo, mas acontece.

Uma das melhores maneiras de ver a melhoria porém, é colocar diferentes tipos de inimigos um contra o outro, algo que foi introduzido inicialmente de forma mais simples no DLC Left Behind.

Em um ponto, ao passar por um nível bem grande em Parte II, em uma determinada área, ouvi inimigos humanos e infectados separados por não muito mais que um muro. Então joguei uma garrafa de vidro entre eles, chamando a atenção de ambos, e daí apenas os observei brigarem um com o outro e, naturalmente, reduzir a quantidade de ameaças nessa área para mim.

Os infectados eram imparáveis, quebrando portas e escalando cercas enquanto os humanos eram inteligentes, fugindo e se movendo para posições onde tivessem uma melhor chance de matar os infectados. E eles se moveram por um grande espaço do cenário também. Isso pode acontecer algumas vezes no jogo e nunca perde sua mágica.

A IA amigável também é mais inteligente. Eles podem coordenar seus ataques furtivos se houver um par de inimigos isolados em um local e são eficazes em combate, tornando-os muito mais confiáveis ​​e úteis. Há seções em que a IA é independente e tem atitudes de liderança a um ponto em que parece que você é o ajudante deles, e isso funciona muito bem no jogo devido a razões contextuais.

Não seria um jogo da Naughty Dog sem alguns dos melhores e incríveis set-pieces da indústria, e apesar essa ser uma franquia com um estilo mais furtivo e discreto, há algumas das mais emocionantes e intensas que já vi nos jogos. É um dos aspectos que mostra muito bem o quanto o estúdio investe em todas as áreas do jogo. A atenção aos detalhes é inacreditável às vezes.

Por exemplo, se você direcionar a luz no rosto de um companheiro, ele se incomoda, fecha os olhos e desvia o olhar, Ellie tem posicionamentos corretos e realisticamente animados ao tocar violão, os cofres podem ser abertos apenas prestando atenção às sugestões sonoras ao se girar a trava numérica, água escorre de suas roupas e equipamentos se estes estiverem molhados, sons de tiros reverberam de maneira diferente dependendo do ambiente em que você se encontra, os personagens têm os ciclos respiratórios mais realistas que eu já vi, o mesmo para animações faciais durante gameplay, se você pisar em sangue, fará pegadas sangrentas no cenário e, se andar pelo chão empoeirado, também fará uma marca, flechas são armazenadas realisticamente em sua mochila, e os puzzles envolvendo cordas de todos os tipos são imbuídos de simulações físicas impressionantes.

Estou seriamente impressionado com o fato de que um jogo com tantos detalhes e feito sob uma luz tão realista, também pode ser um dos jogos mais fluidos e divertidos de se controlar.

Isso faz com que os poucos detalhes não tão trabalhados sejam mais aparentes. A variedade de modelos inimigos não é tão alta, então você pode facilmente notar o caso clássico de ‘gêmeos’ nas mesmas áreas com frequência. É uma daquelas coisas que você quase não notaria na maioria dos jogos, mas aqui, onde tudo está realmente tentando pintar um mundo tão crível, fica mais estranho.

Através de seu sucesso comercial e crítico, a Naughty Dog ganhou o luxo de fazer o tipo de jogo mais caro da indústria. A que custo humano e se realmente vale a pena, é uma discussão a ser realizada imediatamente dentro do estúdio, reavaliando suas operações de gerenciamento após mais um ciclo de desenvolvimento notoriamente excruciante.

Agora, sobre o que provavelmente é o tópico mais polêmico da Parte II, a direção e o destino desta história.

Quero começar dizendo que este é um jogo extremamente coerente com seu antecessor. O primeiro terço deste jogo é uma série de eventos que ocorrem praticamente na sequência e por consequências dos últimos atos da primeira parte.

Além disso, conforme a estrutura da história, esse é jogo muito mais complexo que a Parte I. O primeiro jogo é bastante simples e, honestamente, podemos ver as influências de outras mídias ao redor facilmente. Isso não torna o jogo menos incrível, já que é a execução que o destaca tanto em qualquer mídia narrativa.

Um dos elementos que o fez funcionar é a qualidade do roteiro e diálogos. Realista, interessante e extremamente bem performado, e isso é seguido nesta sequência também.

Começamos a aventura em Jackson, o assentamento em que Joel e Ellie voltam para viver uma vida mais tranquila após os eventos do primeiro jogo. E eles o fazem, Jackson é uma comunidade fechada que tem uma escola, restaurantes, um parque e até um cinema. Vemos pessoas iniciando suas rotinas diárias e ouvimos como vivem em um estado relativamente confortável e pacífico em comparação com o resto do mundo.

Ellie é uma pintora habilidosa, aprendeu a tocar violão com Joel e agora escreve suas próprias músicas, ainda lê gibis e até joga videogame (ela é dona de um PS3). Ela viveu entre meados e o final da adolescência com amigos e interesses românticos. Joel adora assistir filmes antigos e é um artesão muito talentoso, tendo construído muitas esculturas de madeira e até violões, incluindo um especial para Ellie.

No primeiro jogo, tudo o que eles fazem durante esse ano é por sobrevivência. Aqui, vemos que há anos esses personagens mergulham em seus hobbies e nutrem relacionamentos duradouros, algo que só poderia acontecer em um lugar onde eles não precisavam se preocupar com serem mortos a cada segundo do dia.

Eles ainda são sobreviventes experientes, já que a ameaça de infectado e caçadores ainda existe e eles os combatem de vez em quando, mas os anos de segurança e confiança humana conquistados em Jackson certamente os suavizaram um pouco.

E então, após cerca duas horas de jogo, essa noção de paz e segurança é abalada pelo evento que coloca esse resto do jogo em movimento.

Eu não sei como continuar discutindo os temas desse jogo sem entrar em detalhes, então daqui até o começo do veredito vou discutir tudo sobre o jogo com spoilers liberados.

SPOILERS ADIANTE SOBRE THE LAST OF US PARTE II

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Então, Joel é brutalmente morto, por pessoas sobre as quais sabemos muito pouco. Entendemos que eles já o conhecem, e que isso é uma vingança por algo que ele fez nos dias anteriores a Jackson.

A partir daqui, Ellie é consumida pela vingança e sua vida, que antes era repleta de atividades mundanas, agora é uma busca sem retorno para fazer com que aqueles que a prejudicaram, paguem.

A primeira metade do jogo seguimos Ellie, fazendo o que ela precisa para conseguir sua vingança e, às vezes, isso inclui ações que são questionáveis ​​e brutais a um ponto em que até ela fica abalada. É quase como se para fazer isso, ela sente que deve agir como Joel agiria.

Isso torna esta seção do jogo bastante tensa e sombria. Em termos de história e sequências narrativas, este é um jogo bem diferente. Existe uma constante presença sobre os contrastes entre sentimentos e ações. Você de certa forma entende as ações que Ellie está fazendo para alcançar sua vingança, mas é justificável? parece moralmente certo?

Acho que assim que a morte de Joel acontece, ficamos em par com os sentimentos de vingança de Ellie, mas ao longo daqueles três dias em Seattle, esse sentimento vai se tornando dúvida. Foi assim pra mim e de certa forma vemos isso em alguns momentos nos comportamentos da própria Ellie.

Apesar de todas estas diferenças, fiquei feliz por eles terem conseguido encaixar alguns capítulos, principalmente flashbacks, que parecem ter saído diretamente do primeiro jogo e são alguns dos meus favoritos.

Por um tempo, no primeiro dia em Seattle, houveram poucos momentos de leviandade, e a Naughty Dog deliberadamente colocou uma das melhores e mais agradáveis ​​sequências logo após um capítulo de encontros extremamente pesados.

Eu estava exausto de toda essa tensão, a um ponto em que já havia decidido fazer uma pausa depois de terminar a seção que estava passando. Então o próprio jogo me proporcionou os momentos mais relaxantes que eu precisava, com a sequência de flashback em que Joel e Ellie passam por um museu. É uma seção tranquila, cômica e cativante, e o momento é um bom testemunho do design do ritmo deles.

O fato de Parte II ser um jogo tão pesado, faz com que os momentos mais leves sejam ainda melhores, e os novos relacionamentos de Ellie que somos apresentados aqui como Dina e também Jesse funcionam excepcionalmente bem.

Depois de muitas horas de Ellie caçando os assassinos de Joel, e sendo levadas a percorrer continuamente esse horrível ciclo de violência, chegamos a um ponto em que ela pode ter atingido o fundo do poço nessa missão, cometendo atos brutais que se mostra pelo menos momentaneamente arrependidas de ter feito. E imediatamente, e mais uma vez, a reação a esses atos devolve na mesma moeda.

Em seguida, quando fomos apresentados a Abby, fiquei bastante surpreso com a direção da segunda metade desta história. O fato de ela estar relacionada aos atos violentos que Joel cometeu em Salt Lake City não foi surpreendente, como eu disse, é um jogo que apenas segue as consequências da primeira parte, por isso era óbvio que tinha algo a ver com isso.

A parte surpreendente é que eles escolheram desenvolver esses personagens além dos eventos passados, construindo que como Ellie, Abby também estava passando por mudanças drásticas sua vida, que também foram influenciadas pelo assassinato de Joel.

E continuando com as surpresas, acho que a construção de Abby e seu núcleo é extremamente efetiva. Basicamente a Naughty Dog construiu de um personagem que é tão fácil odiar no começo do jogo, uma nova protagonista para essa franquia, com relações e personagens de apoio muito interessantes.

Como o primeiro jogo, onde a pandemia é apenas o pano de fundo da história de união entre Ellie e Joel, a guerra civil entre os Serafitas e a WLF é o cenário da história de crescimento de Abby e do seu próprio grupo de amigos.

Alguns personagens como Mel e Owen se sentem alterados após os brutais eventos que participaram de Jackson, a própria Abby, usa a natureza questionável dos atos que ela fez, para tentar equilibrar isso com atos um pouco altruístas (algo incomum neste mundo), e rapidamente se distancia dos Lobos e entra em novos relacionamentos que a fazem perder as conexões com esse grupo.

Voltando ao ponto da complexidade, e como esse jogo é mais profundo que o primeiro, o tamanho do elenco de personagens de apoio e o quão melhor desenvolvidos e diferenciados eles são nessa sequência é um atestamento disso.

Devo dizer que, durante algum tempo, especialmente na segunda metade do jogo, fiquei preocupado com a direção que eles estavam seguindo.

Eu estava com medo de que o jogo me fizesse coisas horríveis como Ellie, e de alguma forma mostraria como tudo o que fizemos foi categoricamente errado, chegando a um ponto óbvio e bobo como ” a violência é ruim e você é uma pessoa má por ter participado dessa violência”. Seria algo certamente hipócrita, uma vez que eu só estou agindo perante algo que foi criado pelos desenvolvedores.

Mas não, o jogo não julga e não escolhe lados, o que ele demonstra é as histórias por trás desses atos, e por mais que a violência seja a linguagem comum nesse mundo, ela ainda afeta quem as comete de forma profunda e incomoda.

Ele nos mostra que as ações desses personagens têm consequências e afetam profundamente outros personagens também. É quase como se a Naughty Dog estivesse enfrentando de cabeça as críticas em torno da dissonância ludonarrativa de Uncharted, onde Nathan Drake consegue matar centenas de pessoas e ter um final feliz com o tesouro, a garota e um grande sorriso no rosto.

A discussão aqui é mais sobre a complexidade da natureza humana, que nossas ações e nossa própria personalidade podem ser vistas como boas ou más, dependendo de quem está nos julgando.

É claro que existem ações universalmente más, especialmente no mundo real, então acho que é por isso que a Naughty Dog usa essa versão exagerada e sem lei da nossa realidade para extrapolar essa ideia de contexto em ações terríveis. E ter essa discussão de se esse contexto é importante ou não, se ele pode justificar esses atos ou não.

Muitas vezes, durante a experiência de jogar este jogo, vi personagens tomarem decisões com as quais não concordo, e acho que isso diz o oposto desse argumento superficial de que o jogo estaria tentando nos pintar como pessoas más por se importar com os personagens que fazem esses tipos de atos. Eu posso fazer as tarefas necessárias em um jogo e ainda racionalizá-las como atitudes ruins.

E quando os personagens finalmente agem da maneira que eu acho certa, isso torna tudo muito mais gratificante. Fica claro que Ellie e Abby também têm dúvidas e mais dúvidas sobre a natureza das ações que estão realizando, Joel não teve, isso as torna ainda mais relacionáveis ​​do que ele na minha opinião.

Na maior parte do tempo, não me senti manipulado emocionalmente para me fazer sentir mal com o discurso dos eventos. Mas tenho que dizer que a maneira como eles retratam os cães no jogo me pareceu um pouco manipuladora sim.

Consegui passar pela primeira vez sem matar outros cães além de Alice, que é imposta pela história em uma cena jogável. E notei que Bear, um cachorro com quem você pode brincar com controlando Abby nos primeiros 10 minutos do dia 1 com ela, era mencionado e estava presente o tempo todo nos meus capítulos controlando Ellie, quase como se o jogo estivesse sempre botando esse cachorro na maioria dos meus encontros. esperando e torcendo para que eu o matasse, para que eu pudesse me sentir mal com isso algumas horas depois. Acho que é uma tática baixa, mas pelo menos foi o único momento em que senti que o jogo estava instigando alguma culpa ao nosso redor.

No primeiro jogo (ou na primeira parte), há esse tom de que os personagens estão buscando algo universalmente positivo, algo que pode salvar a humanidade. Somos motivados pela esperança de um final feliz para todos. Então, aos poucos, vai se transformando em um conto de crescente amor paterno entre nós e esses personagens. É apenas no final que o jogo retrata Joel fazendo coisas desprezíveis dirigidas por suas próprias emoções. Eu acho que é por isso que ele é extremamente eficaz

Aqui, começamos a questionar a natureza dos atos de Ellies também, e Abby, a personagem do outro lado, definitivamente também não é nenhum anjo. Mas por que as duas estão se comportando assim? O que as levou a se tornar essas máquinas de matar?

É curioso que possamos identificar esse comportamento violento de Joel como a razão do comportamento de ambas. Ellie foi criada vendo esse comportamento, entendendo que ela deveria agir assim para sobreviver, e Abby vive e se transforma para perseguir vingança contra o monstro mítico que ela considera Joel como.

Abby e Ellie têm uma grande coisa em comum. Ambas foram roubadas, na percepção das mesmas, da oportunidade de tornarem sua vidas importantes por Joel. Abby era uma dos vaga-lumes nas trincheiras em busca de uma cura, seu pai era o homem que poderia fazer isso. Ellie era o meio dessa cura, a abençoada que poderia ser sacrificada para dar à sociedade humana uma nova chance. Em um ato de ódio movido pelo amor, Joel tirou isso de ambas.

E é ai, que diferentemente da primeira parte, essa sequência além de ser uma história influenciada por atos violentos causados por amor, é também sobre crescimento, desapego, e renascimento, para que se possa encontrar novos relacionamentos e objetivos que façam viver, valer a pena. E descobrimos também como é mais difícil para Ellie do que para Abby.

Abby se vingou, o que a levou a perder ainda mais pessoas do seu círculo próximo para os meios violentos deste mundo. Ela já estava pronta para seguir em frente quando grandes perdas acontecessem, e por conta delas, chegou perto de continuar alimentando esse ciclo, mas decidiu deixar para lá e tentar dar um novo significado à sua vida, abraçando e guiando Lev para coisas melhores e mais esperançosas.

Ellie estava se tornando mais e mais como o lado mais sombrio de Joel, repetindo os erros que ele cometeu, consumida pelo amor que sentia por ele, tentando resolver as coisas da única maneira que ele a expôs, a violência. Mas, em um lapso de sua personalidade própria, ela escolhe não fazê-lo e decide honrar sua vida. de outro modo. Ela teve que perder tudo, menos a própria vida, para perceber que esse não era o caminho. Estou feliz que ela não o seguiu.

Eu imagino que agora vamos ver anos de discussões discutindo qual é o melhor jogo, parte I ou parte II.

O primeiro jogo é muito mais simples em termos de estrutura, e tinha praticamente um objetivo em termos de tom e mensagem, e consegue atingir isso universalmente na minha opinião.

Este jogo é bastante complexo, cheio de pontos de vista diferentes, muitos temas e honestamente, desprovido de uma mensagem central definida. Portanto, é fácil entender a comoção em torno dele, e vejo este como um jogo que trata mais da discussão de seus elementos do que apenas absorver os elementos como o primeiro foi.

Eu era uma das pessoas que acreditava que não existia a necessidade de uma sequência para o primeiro jogo, e até consigo entender quem mantenha essa visão pelo pacote tão completo que o primeiro jogo apresentou, mas hoje, meu sentimento é que além de ser mecanicamente muito superior ao primeiro, ele também está num patamar narrativo diferente, por quão mais profundo e instigante ele é.

No final, gosto muito de ambos, e o fato de esta série ter levado a tantas discussões excelentes sobre seus temas e videogames como meio narrativo, incluindo pontos de vista que acham que esses são maus exemplos, é o que me faz apreciá-los bastante.

VEREDITO

É curioso que eu possa dizer que a Parte II é um jogo desafiador, mas que isso não tem nada a ver com jogabilidade ou mecânicas. O desafio foi a própria direção que a Naughty Dog decidiu seguir, sem fugir dos conflitos emocionais que o final do primeiro jogo causou, e na verdade expandindo e construindo em cima destas emoções.

Além disso, esse é de fato um dos jogos que mais conversam comigo em termos de mecânicas, criando um pacote tão coeso entre gameplay, construção de mundo e papeis narrativos em um jogo de videogame.

Imerso na história e em sintonia com o loop de gameplay, a conclusão que eu extrai das mais de cinquenta horas que passei com The Last of Us Parte II é que esse é um dos mais memoráveis jogos desta geração.